O classic rock revisto e refeito por CVC

 

 

 

CVC – Get Real
43′, 12 faixas
(CVC Recordings)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Na segunda metade dos anos 1990, eu tinha o hábito de frequentar uma loja de discos em Ipanema (Zona Sul do Rio) chamada Spider. Ela era pequenina, situada no segundo andar de uma galeria, na Rua Visconde de Pirajá. Ali, sob o comando do dono Wolmar, que, segundo consta, era comissário de vôo da Varig, a Spider disponibilizava os últimos lançamentos do rock britânico. Havia álbuns de artistas americanos, mas o forte, o quase insuperável, era o estoque bem fornido de CDs e singles de gente estourada nas paradas alternativas da Velha Ilha, de quem só sabíamos via uma ou outra resenha na Bizz ou casual menção na MTV. Sim, pense num mundo sem Internet… Pois bem, a Spider, se ainda existisse numa linha temporal alternativa, na qual os CDs ainda fossem comercializados no Brasil do jeito que eram há quase trinta anos, certamente teria “Get Real”, do sexteto galês CVC, em suas estantes. E, mais certo ainda, Wolmar tocaria o álbum para os frequentadores conhecerem e, não raro, levarem para casa.

 

O CVC não é uma agência de turismo que derivou para o show business. A sigla significa Church Village Collective, ou seja, “Galera de Church Village” ou algo assim, já colocando o nome da cidade no nome da banda. É um grupo de sujeitos cabeludos e largados, que fazem música com amor total a grupos e artistas como Paul McCartney, Steely Dan, Supertramp e, sei lá, Earth Wind And Fire. São caras que amam o que se convencionou chamar de AOR, yacht rock ou city pop no século 21 e que significa “música que tocava nas rádios FM na virada dos anos 1970/80”. Tudo por aqui é melódico e bem feito, carregado de humor e de uma esquisitice típica de gente nascida em Gales, taí o Super Furry Animals que não me deixa mentir. O classic pop-rock que informa a banda é se primeira linha e permite que os caras brinquem de arranjar composições com toques de soul music estilizada ou mesmo funk setentista das paradas de sucesso. Tudo funciona e soa sincero.

 

Tudo bem que não dá pra confiar apenas na sinceridade ou fidelidade da banda para com suas influências. De nada adiantaria se os caras não fossem bons compositores, com mão redondíssima para o ofício, além de ótimos arranjadores no estúdio, o que se nota em cada uma das doze faixas presentes em “Get Real”. Liderados pelo vocalista Francesco Orsi e com a dupla de guitarristas Elliot Bradfield e David Bassey – parentes próximos do vocalista do Manic Street Preacher, James Dean Bradfield e da veterana e venerável cantora Shirley Bassey – o CVC tem poder de fogo para aliar a doçura típica dos Bee Gees a momentos em que quase emula o peso de gente mais grauda como, talvez, o Thin Lizzy. O maior exemplo desta alternância de timbres e medidas seja o single “Good Morning Vietnam”.

 

“Get Real” está cheio de ótimas canções, a ponto de nos perguntarmos se há algum momento desperdiçado entre seus mais de 43 minutos de duração. “Winston” tem andamento brejeiro, lembrando logo de gravações do Supertramp lá por 1974/75. “Sophie”, sobre a namorada de um dos rapazes, é uma pop song dourada que evoca aura floydiana do início dos anos 1970 e poderia ser de autoria de Paul McCartney ou George Harrison, enquanto “Anogo” é uma cruza sensacional entre Thin Lizzy e Van Morrison, com um arranjo lindo sob a luz da lua e cheio de vocais de apoio, com direito a falso final e vários códigos. Também temos o cinquentismo baladeiro estilizado de “Woman Of Mine”, a guitarreira no início de “Mademoiselle”  e a melodia ensolarada de “Music Stuff”.

 

A adesão do CVC ao cânone do rock clássico, ou melhor, do pop rock clássico, em pleno 2023, é um alento e vai converter um monte de gente jovem aos grandes truques da produção musical de grandes nomes da música do passado. E tudo isso com novas e belas canções. Bola dentro.

Ouça primeiro: “Sophie”, “Anogo”, “Music Stuff”, “Good Morning Vietnam”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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