Top Treze Músicas – João Gilberto

 

Alguém disse que este seria um enorme desafio – escolher as melhores gravações de João Gilberto. Eu mesmo acho complicadíssimo e fiz uso de critérios que vão além da questão estética – talvez o único jeito de fazer tal juízo. Sendo assim, aqui vão, em ordem de preferência, as minhas treze favoritas do homem, numa mistura de admiração e memória afetiva.

 

Esta lista não pretende ser dona da verdade, pelo contrário. Ficarei feliz em ver gente dizendo quais suas preferidas e conhecendo mais e mais a obra do João. Também serve para que eu exorcize a imensa tristeza por sua partida, há dois dias.

 

 

1- É Preciso Perdoar (1973)

Considero este o melhor momento de João. O arranjo minimalista, voz e violão, com a melodia tensa e progressiva, que muda de tom enquanto ele vai fazendo seus milagres e se permite incorporar sotaques e nuances. É uma canção noturna, triste, de renúncia, de conformidade e de manhã que vem nascendo depois de tudo. Composta por Carlos Coqueijo & Alcyvando Luz, ela é uma espécie de prima triste de “Estrada do Sol”, de Dolores Duran e Tom Jobim.

 

2- Águas de Março (1973)

Outra gravação monstruosa deste que é, a meu ver, o melhor disco de João Gilberto, o “álbum branco”, de 1973. Ele faz misérias com a melodia e a letra de Tom Jobim, mudando, refazendo e pegando o bonde no ritmo certo, sempre. A letra de inconsciente coletivo incorpora nova dimensão com o silêncio sutil de João. Um momento imaculado da arte em seu sentido mais superlativo.

 

3- O Pato (1960)

Do segundo disco do homem, “O Amor, o Sorriso e a Flor”, de 1969. “O Pato” é um pequeno milagre infantil-surreal, que combina muito com o estilo único que João estava imprimindo então. Questão de gosto pessoa, ela é mais identificada com uma visão mais livre de Ipanema e do Rio, algo mais amplo e geral. Uma preferida desde os tempos da infância.

 

4- Desafinado (1959)

Quem estreia com uma canção dessas? Letra de Newton Mendonça, música de Tom Jobim e este tom de canção de protesto próprio, de reivindicação, de inclusão dos “losers” numa espécie de ordem do dia em que apenas os latin lovers de vozeirão podiam cantar e falar de si. Um marco sem precedentes.

 

 

5- Estate (1977)

Do estupendo disco “Amoroso”, de 1977, arranjado pelo alemão Claus Ogerman. Um milagre impressionante de estúdio, o uso do silêncio como pano de fundo da tela, com violinos arranjados como se fossem nuvens e o sotaque baiano-italiano de João a falar do verão no Hemisfério Norte, da passagem do tempo e do amor à medida que o sol sai e se dispõe a nos esquentar. Coisa de maluco.

 

6- Wave (1977)

Outra de “Amoroso”, foi tema de novela global e recria o original de Tom Jobim, gravado como instrumental em 1967. Novamente a orquestra de Claus Ogerman é peça fundamental para o resultado final, com João cantando forte e brejeiro a lindeza de um Rio a beira mar, que nunca chegou a ser tão belo quanto no poema que cede palavras para a letra.

 

 

7- Chega de Saudade (1959)

Para muitos o marco zero da Bossa Nova, faixa-título do primeiro disco de João. O pedigree é imbatível, um clássico da lavra de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, sobre o amor e a doçura de vê-lo, contemplá-lo e mesmo sentir sua falta. É a delicadeza máxima em termos de choro e tristeza, a ponto de se desejar o sofrimento apenas pela beleza irresistível que emana desta lindeza.

 

 

8- Aquarela do Brasil (1980)

Faixa de abertura do disco “Brasil”, de 1980, com Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia. É mais que um encontro de mestre e discípulos, é uma reinterpretação do próprio Brasil em tempos de renovação política e esperança por conta da abertura democrática e do retorno de vários exilados do exterior. É um arranjo belo, mas convencional, que enfatiza as nuances das vozes e da condução de João.

 

 

9- Samba de Uma Nota Só (1959)

Outra criação de Tom Jobim e Newton Mendonça, com alguns dos versos mais belos da música brasileira: “como eu sou a consequência inevitável de você” ou “E voltei pra minha nota como eu volto pra você” e “quem quer todas as notas, re-mi-fá-sol-lá-si-dó, fica sempre sem nenhuma, vive numa nota só”. Esta gravação é um milagre, dura menos de dois minutos e tem tudo o que você precisa saber sobre quase tudo.

 

 

10- Eu Vim da Bahia (1973)

Uma das primeiras canções de Gilberto Gil, sobre sua identidade maior e origem, compartilhada com João. Gravada com a pegada minimalista do “álbum branco”, a letra ganha uma dimensão, digamos, metafísica. A letra é sussurrada de forma tão sutil que chega a pontos nunca imaginados por Gil.

 

 

 

11- Tin Tin Por Tin Tin (1977)

Outra faixa de “Amoroso”, que é um belo exemplo de como João era capaz de transformar samba (de Haroldo Barbosa / Geraldo Jacques) em Bossa Nova. A letra é perfeita para o canto do homem, que soa mais brejeiro e animado do que de costume, com versos sensacionais como “você tem que devolver o que era meu, bem meu, mande meu retrato e ponha outro em seu lugar”). É uma variação rara de um fim de romance em que o alívio é perceptível.

 

 

12- Corcovado (1960)

Mais uma faixa do segundo disco de João, autoria de Tom Jobim, letra e música. É uma das canções mais gravadas no mundo, teve versões de Miles Davis e Frank Sinatra, mas nada se compara a João e seu olhar perto-longe deste Rio que ele ajudou a lançar pro plano do futuro que havia chegado. Coisa de louco, abstrata e singela, mais uma com menos de dois minutos.

 

 

13- Sem Compromisso (1986)

Versão gravada ao vivo no 19º Festival de Montreux. Canção composta por Geraldo Pereira e Nélson Trigueiro, em 1954, ela já havia ganho uma versão de Chico Buarque em 1974, no álbum “Sinal Fechado”, mas esta abordagem voz/violão ao vivo de João é perfeita e é possível perceber que ele sorri enquanto canta e os aplausos efusivos ao fim da música mostram a reação impressionante do público.

 

 

 

Hours Concours – “Lígia” (2003)

A versão voz e violão, gravada em setembro de 2003 em Tóquio, é mais que uma canção, é como se João fosse a nossa própria voz interna, analisando decisões, arrependimentos e resultados da vida. Esta interpretação, contida no álbum “Live In Tokyo”, lançada em 2004, é mais que música. É o mais próximo que se pode chegar, sei lá, de Deus.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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