Novo disco de Lucas Santtana mostra o Brasil visto de fora

 

 

 

 

Lucas Santtana – O Paraiso
36′, 10 faixas
(No Format!)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

Quem ouviu o novo trabalho do compositor baiano pode atestar: é o primeiro grande álbum de música brasileira lançado em 2023. Eu acrescento: é um disco de MBFB, ou Música Brasileira de Fora do Brasil. Lucas é morador de Paris há bastante tempo e esta condição – a de viver no exterior – dá a ele e a outros artistas brasileiros, a condição de perceber o país com olhos mais sensíveis, que recebem informações mais plurais sobre o que acontece aqui. Não por acaso, “O Paraíso” é um trabalho que aponta alternativas para um período menos desastroso da nossa história recente. Lucas já havia coberto essa progressão de eventos no álbum anterior, o belo e sofrido “O Céu É Velho Há Muito Tempo”, de 2019 e dá sequência à narrativa, pouco mais de três anos depois. Não por acaso, o tom de “O Paraíso” é mais leve, otimista, porém conectado nas demandas mundiais e nas expectativas que o planeta projeta para o Brasil, agora que ele voltou a existir num plano normal.

 

 

Lucas sempre teve a influência de mestres como Caetano Veloso e Jorge Ben. Sua estreia, há 23 anos, “Eletro Ben Dodô”, já apontava isso e, ao longo desse tempo, Santtana burilou e ampliou essa linha estética, incorporando várias outras instâncias – de reggae e dub, passando por rock e uma visão universal da música pop moderna. Tudo isso deu à sua obra um toque de “fora do Brasil”, não só na narrativa, como na estética. Surgiu uma música universal, ampla, que ele usa com muita inteligência e sensibilidade. Ao ouvirmos o resultado de “O Paraíso”, temos certeza que esta música funciona muito mais lindamente quando pinta um cenário de otimismo e positividade. Mas este novo disco não é apenas felicidade, pelo contrário, ele carrega muito mais no aspecto crítico sobre o estrago feito no mundo nestes últimos anos e insere o Brasil neste contexto. Mais que isso: ao estabelecer essa relação, Lucas meio que sinaliza não haver outra alternativa para nós a não ser a consciência da sustentabilidade, a inserção nas políticas globais de preservação do meio ambiente e a noção de que, ao fazermos isso, estamos, automaticamente, defendendo um mundo mais justo para as pessoas, intrinsecamente mais democrático e inclusivo.

 

 

A capa e a arte criadas pelo pintor francês Jérome Witz para o disco, que foi gravado e mixado por Frédéric Soulard em Paris, aponta essa questão sustentável aplicada ao indivíduo. As canções presentes aqui não se valem de samples e muitas intervenções eletrônicas, mas tem o mérito de embaçar as noções de acústico e sintético. Para isso, Lucas usa sonoridades que vêm das percussões de Zé Luís Nascimento, do violoncelo de Vincent Segal, dos sintetizadores de Frédéric Soulard e dos sopros de Remi Sciuto e Sylvain Bardiau. Além deles, a cantora da banda L’Imperatrice, Flore Benguigui, participa do álbum, mais precisamente na simpática versão de “Fool On The Hill”, dos Beatles. Outra bela cover que Lucas apresenta é uma interpretação delicada e oportuna de “Errare Humanun Est”, de Jorge Ben, talvez seu grande mestre.

 

 

É, no entanto, nas canções originais que “O Paraíso” tem seu grande brilho. O single “Vamos Ficar Na Terra” é absolutamente perfeito, encapsulando influências do Caetano setentista e noventista, além de toques sutis de Chico César, numa narrativa espacial utópica, linda de morrer. A ótima “Muita Pose, Pouca Yoga”, tem participação da cantora Flávia Coelho, apresenta também DNA baiano oitentista e letra crítica sobre as superficialidades estéticas e de discurso que as pessoas insistem em manter. Em “La Biosphére”, cantada em francês, Lucas fala da conexão entre os seres vivos e o planeta, um conceito tão surrado quanto verdadeiro e oportuno. A canção tem arranjo belíssimo, com destaque para um coro infantil que dá um tom urgente ao que é dito. E há a igualmente pungente “Sobre La Memória”, na qual Lucas fala de Funes, o Memorialista, personagem de um conto de Jorge Luis Borges, no qual o personagem era incapaz de esquecer, acumulando todas as suas memórias ao longo da vida, quer ele quisesse ou não.

 

 

“O Paraíso” é uma pequena joia. Seu conteúdo musical e lírico é praticamente uma declaração de metas e caminhos a trilharmos no porvir. Se conseguirmos, teremos, finalmente, emergido da lama em que fomos atirados de 2016 para cá. Bravo.

 

Ouça primeiro: “Vamos Ficar Na Terra”, “La Biosphére”, “Errare Humanum Est”, “Sobre La Memória”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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