O Brasil Perfeito dos Tribalistas ao Vivo

É impossível ignorar: o trio Tribalistas, formado por Arnaldo Antunes, Marisa Monte e Carlinhos Brown está em turnê. E, como dizem os portugueses, a digressão do grupo é mundial. Deu a partida em Salvador, no ano passado. Foi para o Allianz Parque, onde colocou 45 mil pessoas e cujo show foi gravado em som e imagem.  Visitaram Europa, Estados Unidos e América do Sul e adentram 2019 na estrada, com planos de regressar a Estados Unidos e América do Sul. A Wikipedia diz que o trio já faturou 31 milhões de reais com os onze primeiros shows da turnê. O Tribalistas também encerra a edição nacional do Lollapalooza, em abril. Daí eu vos pergunto: quando um artista, que tem sua inspiração e classificação na MPB, conseguiu um êxito tão grande? Eu vos respondo: acho que nunca.

O que normalmente seria o CD/DVD Tribalistas Ao Vivo, foi lançado como conteúdo há poucos dias nas plataformas digitais de áudio e vídeo e traz a íntegra do show, que tem um repertório inteligentemente pensado: mistura os maiores sucessos do primeiro disco, de 2002, algumas canções do segundo álbum, lançado no ano passado sem muito alarde e carrega em sucessos solo de seus integrantes, especialmente de Marisa Monte. Aliás, como o trio já assinou em conjunto várias composições, tudo isso soa natural e necessário quando há a chance de vê-los no palco. Ouvindo algumas canções, não há como negar: a coisa funciona ao vivo e promove pequenas catarses no público, não apenas em sucessos como “Velha Infância” e “Já Sei Namorar”, mas em releituras como “Vilarejo”, “Amor I Love You”, “Depois” e “Carnavália”.

É um Brasil no palco. Bem, pelo menos um dos muitos brasis que existem por aqui. A banda pretende ser uma fusão de elementos que constituem esse conceito ideal que vendem para o nosso país: uma terra harmoniosa, amistosa, onde afluentes culturais são representados pelos integrantes do trio: há a negritude afro-baiana de Brown; o concretismo branco roqueiro e intelectualizado de Arnaldo Antunes e a carioquice, herdeira da Bossa Nova e da MPB ideais de Marisa Monte. Tudo isso surge devidamente colorido, atualizadíssimo e alegre, numa alquimia inegavelmente bem resolvida. Tudo numa boa, tudo numa nice.

Sabemos que não é assim que a banda toca, ainda mais de uns três anos pra cá. E, confesso, às vezes soa irritante a comunhão conceito-cor-som que os Tribalistas oferecem no palco 4K para quem está a fim de cantar a letra de “Vilarejo” (peitos fartos, filhos fortes, sonhos semeando o mundo real, toda gente cabe lá, Palestina, Shangri-lá) e ignorar as desigualdades do cotidiano. Talvez o espetáculo/conceito da banda ofereça um safari por um Brasil por trás de uma redoma de vidro, tudo limpo, cheiroso e livre de contaminações pela realidade.

Agora, você diz: que chato enxergar as coisas sempre por um prisma político e social, hein? Fala do show, do disco, da performance do grupo, seu mala dos infernos…

Certo, eu falo.

Marisa ainda tem a graça de ser uma ótima cantora e manter seu carisma no palco. Seu figurino é de um clipe noventista do Gringo Cardia, mas funciona. É o centro do grupo e sua maior razão de exercer o fascínio que exerce. Arnaldo é a garantia de insanidade domesticada da que todo artista precisa. Ele soa sob controle no grupo, é quase um contraponto de pensamentos e influências, a voz grave, a garantia do selo de validade intelectual. E Brown, bem, não é nem a sombra do músico/compositor interessante que surgiu nos anos 1990, autor de discos bacanas como “Omelete Man”, por exemplo. Sua participação limita-se a mandar uns “levanta a mão pra cima, São Paulo!” de vez em quando. Além disso, encaixado num kit de percussão, seu talento como instrumentista é subestimado, infelizmente.

Em termos técnicos, é tudo praticamente perfeito. Um Brasil sem pixels brancos, com imagem perfeita, som digital e alcance internacional. Um lugar que não corresponde à nossa realidade. Infelizmente.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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