Norah Jones chega refrescante em novo álbum
Norah Jones – Visions
46′, 12 faixas
(Capitol)
Se incluirmos um álbum de canções natalinas (“I Dream Of Christmas”, 2022), um ao vivo (“‘Til We Meet Again”, 2021) e um adorável registro colaborativo com Billy Joe Armstrong (“Foreverly”, 2013), a carreira de Norah Jones chega agora ao registro de número doze. É uma das artistas em atividade mais dotadas de uma marca sonora própria, que sobrevive a várias pequenas mudanças em sua palheta sonora. Norah teve momentos mais jazzísticos, momentos mais próximos do pop tradicional, do indiepop, até do country, mas nunca gravou um disco voltado para um ou outro estilo específico. Ao contrário, sua musicalidade foi se desenvolvendo na mesma medida em que se permitia afrouxar os nós que vieram com o sucesso global do primeiro álbum, “Come Away With Me”, o mais voltado para o jazz que ela já concebeu. E, se há uma constante em sua trajetória, além de sua marca sonora própria, é uma aproximação lenta e gradativa com formatos mais arejados e sempre pop. Agora, com este ótimo “Visions”, Norah se permite sassaricar no terreno de um r&b light e delicado. Funciona.
Esta aproximação com os idiomas do r&b atual se deve à presença de Leon Michels na produção de “Visions”, logo ele, integrante dos Dap-Kings, de Sharon Jones, depois emprestados para que Amy Winehouse se reinventasse no álbum “Back To Black”. Além dos Daps, Michels participa de outros projetos soul, dirige um selo, o Big Crown Records, além de também ter tocado com gente tão distinta quanto os soulmen Lee Fields e Charles Bradley, fundado a ótima Menahan Street Band e ter colaborado com Dan Auerbach, dos Black Keys. Ou seja, é um sujeito que tem fluência e conhecimento de causa dentro desta caixinha do tal vintage soul que tanto fez belos discos e deu espaço para estes e outros artistas nos últimos anos. Michels, portanto, entende do assunto e acrescenta demais ao ambiente sonoro que envolve as canções de “Visions”. E como já dissemos – Norah não fez um disco de r&b ou vintage soul, mas usa essas influências com maestria em sua própria forma de canção.
Além de toda essa sintonia estética, “Visions” é um disco de ótimas canções. Se for colocado em perspectiva dentro da carreira de Norah, ele significa uma feliz abertura de luminosidade e otimismo em relação ao anterior, “Pick Me Up Off The Floor”, que foi lançado sob o peso dos efeitos criativos e sociais da pandemia da covid-19, sendo, obviamente, um trabalho introspectivo e pessimista. “Visions” é o oposto, um álbum refrescante, cheio de arranjos falsamente simples, mas que extraem o melhor da voz de Norah – sempre boa, nunca exagerada – e de seu piano econômico. Todas as canções têm momentos a destacar, seja uma boa sacada no arranjo, seja um desempenho pessoal de Norah, como, por exemplo, no single “Running”, que tem uma levada pop soul moderninha, abrindo espaço para um voo vocal da moça, como há muito tempo ela não fazia. Ou, talvez, como nunca fez.
Norah, ao que tudo indica, não sairá pulando pela pista de dança ao som de suas próprias canções, mas é mestra em deixar tudo subentendido, caso da dolente “I Just Wanna Dance”, que mistura preguiça e sensualidade numa simpática mistura que antecede o ato de dançar como se não houvesse amanhã. Em “All This Time”, faixa que abre o disco, ela novamente mostra uma ótima forma vocal em uma canção dilacerada de amor (“All this time I think of you”) que tangencia uma espécie de soul pop pianístico muito jazzy e simpático. Em “Paradise”, essa feminilidade fofa que também está presente na obra de Norah tem espaço, comprimida numa levada simpática e com refrão cantarolado que funciona lindamente. “I’m Awake” é talvez o momento mais sensacional, uma construção nitidamente soul, com arranjo assombroso, cheio de sensualidade num canto e resposta entre Norah e um coral feminino de outro plano. Coisa linda.
“Visions”, cujas canções, segundo Norah, foram compostas em meio a crises de insônia ou logo antes de dormir, talvez seja seu melhor álbum. Talvez ninguém esperasse por algo assim, mas nunca ela soou tão interessante, tão dona da bola, tão rainha da cocada preta. Ouça e comprove.
Ouça primeiro: “I’m Awake”, “Visions”, “All This Time”, “I Just Wanna Dance”, “Running”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.