Neil Young lança seu melhor disco em muito tempo

 

 

Neil Young & Crazy Horse – Barn

Gênero: Rock

Duração: 42:51 min
Faixas: 10
Produção: Niko Bolas, Neil Young
Gravadora: Warner Reprise

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

De uns anos para cá, Neil Young está vivendo nas Montanhas Rochosas com sua esposa Daryl Hannah. Lá ele reformou um velho celeiro e se acomodou, para ver a vida passar e tocar seus projetos musicais, mais especificamente, dois álbuns: “Colorado” (2019) e este “Barn” recém-lançado. São dois discos irmãos, marcados também pela parceria com os velhos companheiros do Crazy Horse que, por sua vez, voltou a contar com Nils Lofgren na guitarra, em substituição a Frank Poncho Sampedro, aposentado há alguns anos. Os dois álbuns também compartilham a cidadania americana que Neil obteve, fato que o levou a se denominar “canerican”, misturando sua origem canadense com a identificação marcante que conserva com o rock e a vida dos Estados Unidos desde a segunda metade dos anos 1960. Mesmo que Young tenha seguido com uma produtividade espantosa nos últimos anos, tal proficiência não é sinônimo de qualidade, ficando a parte mais interessante de seus trabalhos com a contínua política de lançar álbuns engavetados no meio do caminho, há décadas. Assim foi, por exemplo, com os ótimos ‘Homegrown” e “Hitchiker”, que viram a luz do dia depois de muito tempo engavetados. Agora, com ‘Barn”, Young volta a fazer canções realmente interessantes e dignas de figurar entre os seus melhores momentos.

 

No documentário que foi lançado junto com o álbum, o canadense mostra que estava a fim de gravar algo que bastasse para ele, que comunicasse suas questões e exprimisse o que ele pensa. É, portanto, disco que Neil lança praticamente para si, algo que comunica seu estado de isolamento atual, de descoberta de uma vida reclusa nas montanhas e o prazer que isso pode – e deve – proporcionar. A presença da Crazy Horse é a ferramenta que permite a expressão no nível desejado, capaz de deixar a mensagem totalmente clara. Estes quatro senhores (além de Young e Lofgren, Ralph Molina e Billy Talbot – mais o produtor Niko Bolas – precisaram vivenciar este isolamento e captar suas nuances para que “Barn” saísse perfeito, não só pelo uso do celeiro que Young restaurou, mas pela fidelidade com que as mensagens deveriam ser passadas. É interessante porque o ouro da produção de Neil está, sem dúvida, nos anos 1970 e este álbum tem muito do que ele costumava fazer naquele tempo. É um exemplo daquele tipo de trabalho que se equilibra entre os rockões e as baladas mais contemplativas, numa medida que agrada aos ouvidos e desfaz um pouco os exageros dos trabalhos que Young lança desde, sei lá, “Prarie Wind”, de 2005.

 

 

Sendo assim, temos um pouco de “Zuma” e um pouco de “Comes A Time” nas dez faixas que compõem “Barn” e, desde já, temos a melhor canção que Neil grava no século 21, a saber, “Human Race”, típica porrada guitarreira com chama aberta e letra sobre o desespero de ver o futuro se desvanecer diante dos olhos face a ganância, no verso inicial, que diz: “Today no one cares, tomorrow no one shares”. Aliás, se há uma preocupação que norteia as reflexões de Neil em seu isolamento é a certeza de que o futuro será pior que o presente e o tempo para impedir esta impressão de tornar-se realidade inescapável está no fim. Mas seu pessimismo passa longe da conformidade, alimentando de raiva e ressentimento os sons das guitarras ouvidas no álbum. Só que a palavra “equilíbrio” é um dos trunfos de “Barn”, algo que podemos ver na lindeza do single “Song Of The Seasons”, cheio de acordeões e gaitas, mostrando a belezura que é poder ver o tempo passar e notar a mudança das estações e sentir os dias escorrendo gentilmente pelas mãos já calejadas.

 

 

“Barn” realmente tem a melhor safra de canções de Young em muitos anos. “Heading West” é um rockão em midtempo cheio de guitarras crocantes e abertas num espaço amplo, “Welcome Back” é daqueles épicos empoeirados que Neil faz desde sempre, durando cerca de oito minutos e meio, enquanto “Shape Of You”, que ganhou clipe bacanudo, é uma canção que poderia estar facilmente em “Cones A Time”, disco querido, lançado em 1978. E tem a autobiográfica “Canerican”, a definição que Neil faz de si mesmo, mostrando suas nacionalidades concorrentes e honrando a linhagem nobre dos canadenses que se apropriaram das narrativas estadunidenses na música pop, como, por exemplo, os 4/5 da The Band, outro baluarte atemporal dessa América do Norte meio fora de lugar.

 

 

“Barn” é um disco esperando pela sua audição. Ele é confortável, contem um bom conceito, ótimas gravações e um Neil Young resmungão, isolado, ruminando suas lembranças e conferindo seu futuro que pode não chegar. É instigante na medida e reacende o coração do velho fã, que já dava como perdido o interesse pelos trabalhos atuais do Véio. Ouça feliz.

 

 

Ouça primeiro: “Song Of The Seasons”, “Canerican”, “Human Race”, “Shape Of You”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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