Morreu Gal Costa. Gal Costa não morre.
Esta é uma daquelas notícias que não queremos dar. Mas é verdade: Gal Costa morreu hoje de manhã, aos 77 anos. A causa do falecimento ainda não foi divulgada, mas a informação foi confirmada pelo jornal Folha de São Paulo e republicada nas redes sociais.
Gal havia se submetido a uma cirurgia para retirada de nódulo no nariz, o que a havia feito cancelar seu show no Primavera Sound, no qual cantaria a íntegra do álbum ao vivo “Fa-Tal – Gal A Todo Vapor”, originalmente lançado em 1971.
Maria da Graça Pena Burgos era uma das maiores – talvez a maior – cantora brasileira viva. Simples assim. Não havia concorrentes para ela, que influenciou inúmeras artistas ao longo do tempo. É tanta gente que nem dá pra mensurar a dimensão de seu legado.
Ao longo da existência do nosso site, publicamos várias resenhas, listas e uma entrevista com Gal Costa, realizada em fevereiro de 2021. A gente deixa tudo disponível neste link aqui.
Estávamos programando este texto aqui para a sua apresentação no Primavera Sound de São Paulo, fazendo menção à importância do álbum “Fa-Tal” e destacando a canção mais conhecida dele, “Vapor Barato”. Por conta do ocorrido, a gente recupera o texto.
“Vapor Barato” foi composta logo após a decretação do AI-5, em dezembro de 1968.
Para muita gente, entre eles, Jards Macalé e Wally Salomão, autores da canção, aquela era uma época duríssima, de restrição absoluta de liberdades, de ausência de bom senso e da demonstração de um poder vindo de cima, nas mínimas coisas.
A canção foi gravada ao vivo por Gal Costa, como parte indissociável de seu show Fa-Tal – Gal A Todo Vapor, que virou disco e tornou-se um marco da carreira da cantora baiana, em 1971. Ela se transformou numa espécie de guardiã de uma Tropicália agonizante, que teve seus principais arquitetos – Gil, Caetano, Glauber Rocha – exilados e esvaziou-se de significado gradativamente.
Em seu lugar veio o desbunde, a alienação da situação política do país, tudo intencional, mas essa canção praticamente explica como esse processo dolorido se deu. Salomão foi torturado no presídio do Carandiru na época da composição e tal fato explica-se pela letra desesperançosa.
Gal é, ao lado de Elis Regina, a maior cantora que o Brasil teve após a época das chamadas Cantoras do Rádio. Sua carreira se confunde com os vários momentos da música brasileira, muda e de adapta o tempo todo. Em seus momentos iniciais, na virada dos anos 60/70, “Vapor Barato” é, ao lado de “Baby”, seu momento mais importante.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.