Bruce Springsteen saúda a Soul Music

 

 

 

 

Bruce Springsteen – Only The Strong Survive
50′, 15 faixas
(Sony)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

 

É bom que se diga: “Only The Strong Survive”, novo trabalho de Bruce Springsteen, não é um disco de Soul Music. O próprio Boss sabe disso e concordaria com tal frase. O álbum é um tributo, uma homenagem ao estilo musical mais belo e harmonioso do século 20, na opinião pessoal deste que vos escreve. As canções pertencentes ao cânone soul, sejam das gravadoras mais badaladas – Motown, Stax e Philadelphia International – sejam de outras, mais obscuras, têm entre si um ponto em comum: a tradução de uma visão de mundo harmoniosa, comunitária, compartilhada, na qual negros e não-negros vivem juntos, com diferenças deixadas de lado, sob o olhar gentil e generoso do Divino. Isso se materializa nas harmonias vocais belíssimas, nos arranjos de cordas, nas letras afetuosas e nos cantores, cantoras e grupos vocais que deram voz à esta produção sensacional, iniciada na virada dos anos 1950 para os 1960, atingindo uma espécie de apogeu ao longo daquela década, modificando-se nos anos seguintes. Hoje o soul existe mais como um exercício de estilo do que um braço vivo da música pop.

 

 

Bruce Springsteen é fã de Soul Music. Ele já declarou isso ao longo do tempo, cansou de incluir um “Detroit Medley” em seus shows pelos anos 1970, no qual revisitava hits da Motown e de bandas correlatas preferidas, como The Impressions (ele é fã de Curtis Mayfield) e já flertou com o estilo algumas vezes em sua trajetória fonográfica. Mas Bruce, por mais que saiba que é um cantor privilegiado, tem consciência que não é um soulman. Esta percepção é um dos charmes de “Only The Strong Survive”, que faz dele uma homenagem assumida, de um fã famoso para um estilo musical. É mais ou menos o que o Boss fez em 2006 com a obra do trovador folk Pete Seeger, homenageado por ele no disco/show “We Shall Overcome”. Bruce também não é um artista de folk, ainda que, como o soul, haja alguns momentos de influência mais explícita aqui e ali em sua carreira. Esta condição de admirador confere uma aura de verdade e reverência ao disco e Bruce sabe muito bem disso.

 

 

Quem conhece a trajetória de Springsteen sabe muito bem o quanto a autenticidade e a verdade significam para ele e seus admiradores. Ele não dá um passo na carreira sem demonstrar estas duas qualidades. “Only The Strong Survive” é fruto da pandemia, do mesmo jeito que foi o anterior, “A Letter To You”, de 2020. Ambos são álbuns gravados no estúdio caseiro do Boss, burilados por ele e seus dois parceiros técnicos: Ron Aniello e Rob Lebret. A diferença é que, no caso de “Only The Strong”, a banda arregimentada é diferente e os arranjos privilegiam o naipe de metais, chamado E Street Brass, que já dá as caras nas apresentações do Boss aqui e ali. E há ainda um naipe de vocais de apoio, tudo para dar suporte sólido para que o Boss possa alçar vôo em canções que ele mesmo escolheu para interpretar.

 

 

Olhando o tracklist e conferindo as interpretações, há um nível interessante de performance, o que sugere uma total devoção do artista ao repertório escolhido. Sabemos bem – nós e Bruce – que nenhuma versão aqui vai arranhar os originais, mas é motivo de celebração notar o bom gosto do Boss nas suas escolhas. Além da faixa-título, de Jerry Butler (que também é o responsável por “Hey, Western Union Man”), temos alguns momentos maravilhosos ao longo do disco, especialmente nas versões de “When She Was My Girl” (Four Tops), “I Wish It Would Rain” (Temptations), “Nightshift” (Commodores), “The Sun Ain’t Gonna Shine Anymore” (Four Seasons), “What Becomes Of The Brokenhearted” (Jimmy Ruffin) e, na minha provável preferida, “Do I Love You” (Frank Wilson).

 

 

“Only The Strong Survive” é uma lindeza reverente e emocionada, como tudo que Bruce vem fazendo desde, provavelmente, “The Rising” (2000). É música com sentimento e amor, algo que ele adora fazer e dar para os fãs. Todo mundo sai ganhando. E muito.

 

 

Ouça primeiro: “When She Was My Girl”, “What Become Of The Brokenhearted”, “Do I Love You”, “I Wish It Would Rain”

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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