Maradona, melhor que Pelé

 

Morreu Diego Armando Maradona. Foi o maior jogador de futebol de seu tempo, talvez de todos os tempos. Foi vencido aos 60 anos após uma vida de abusos e intensidade, que lhe permitiu ser uma das pessoas mais conhecidas do planeta. Sinônimo de futebol, sinônimo de Argentina. De molecagem, talento, excesso, resistência, exagero. Maradona viveu e morreu como um mito. Um sujeito que era humano, errava a olhos vistos, não parecia ter papas na língua e não tinha medo de abraçar suas convicções. Era um cara progressista, de esquerda, que colecionava fotos com Fidel Castro, Lula, Hugo Chávez e outros líderes políticos de seu tempo. E as exibia. Porque Maradona era exibido. Ele gostava de ser como era. Abusava do corpo mas devia pensar: ora, se a vida é essa aqui, então vou viver logo. E assim o fez. No meio do caminho, conquistou campeonatos, copas, taças, títulos e assinou seu nome embaixo de gols que entraram para o melhor do melhor futebolístico de todos os tempos. Mas havia algo além disso tudo.

 

Maradona era “El Pibe”. O pequeno, o baixinho. Era pobre, ficou rico, deve ter enfrentado de tudo um pouco na vida e, quando conseguiu ser notado e ouvido, assumiu aquilo que era. Muitos dirão que era drogado, “vagabundo”, encrenqueiro. Outros, de mente ainda mais gelatinosa, cairão na esparrela de enxerga a Argentina como nosso maior rival existencial, algo que está arraigado na cultura brasileira, difundido por meios de comunicação interessados em desviar nossa atenção dos verdadeiros responsáveis por nossa eterna situação de penúria identitária. Mas isso é outro assunto.

 

Diego era o cara. Venceu contra tudo e todos. E se foi ainda jovem, com lenha pra queimar.

 

E Pelé?

 

No dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, ele surgiu nas redes sociais com uma camisa do Santos F.C autografada e dedicada ao atual ocupante da presidência da república. No dia em que ele, como homem negro bem sucedido, deveria estar falando algo a seus iguais. Mas não. Também não precisamos mencionar as sucessivas questões de Pelé/Edson com filhos não reconhecidos, testes de DNA postergados e uma infinidade de situações que colocam o seu caráter em xeque.

 

Quando a seleção brasileira de futebol chegou ao México em 1970, era evidente o uso da campanha pela Copa do Mundo por parte do governo militar. Transmutado em país, aquele time tinha que dar certo. E deu. Foi uma conquista avassaladora – e coletiva – daqueles homens. Pelé os liderou. Era a imagem da redenção, uma vez que o craque não jogara as Copas de 1962 e 1966, contundido na primeira e anulado na segunda. A Copa no México era a sua derradeira oportunidade. E ele aproveitou. Quem o viu jogar, naquele tempo em que a TV engatinhava e que a política turvava a vista, afirma que ele foi o maior. Alguns dizem que foi o atleta do século XX, título que ele ganhou, ainda que tal afirmação fosse facilmente contestada. Mas dá pra aceitar.

 

A Argentina também teve sua Copa roubada pela política. Em 1978, quando o país sediou o mundial, o regime militar de lá vivia seus dias mais duros, chefiado por gente que não hesitaria em levar o povo à guerra quatro anos depois, contra a Inglaterra. Foi feito de tudo naquele torneio: jogo roubado, placar comprado, jogador argentino com camisa ensanguentada no fim da partida…A história poupou Maradona de estar em campo naquele ano. César Menotti, então técnico da seleção, o julgou inexperiente demais e não o chamou. Sorte de El Pibe. Sorte do futebol.

 

Sua vingança pessoal contra a Inglaterra veio em dois atos, na outra copa do México, em 1986. O primeiro, com o gol antológico – até hoje, na minha opinião, o mais bonito de todos os tempos – quando ele driblou quase a totalidade da seleção inglesa e tocou para as redes. O segundo, o célebre “La mano de Dios”, quando “arremessou” a bola com a mão para o gol defendido por Peter Shilton.

Lembrem-se: o futebol é humano.

 

Maradona, melhor que Pelé? Eu acho. Pelo futebol, pela intensidade, pelas convicções políticas.

 

Pelé foi o maior jogador brasileiro de todos os tempos. O que não é suficiente para que tenha sido o maior do mundo de todos os tempos.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

3 thoughts on “Maradona, melhor que Pelé

  • 25 de novembro de 2020 em 22:32
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    Por que tão cedo, Dieguito?

    Um ano muito lamentável esse 2020.

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  • 25 de novembro de 2020 em 19:12
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    Sim, um deus do futebol humano. Um gênio vulnerável.

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  • 25 de novembro de 2020 em 17:50
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    Que ano triste!
    Mais um texto primoroso, Cel. Parabéns.
    Como não vi Pelé jogar e vi Marodona em 90 e 94, (1986 ainda distante do futebol) fiquei admirado pelo jogador, podia me ver nele, porque justamente seus erros e sua humanidade me faziam pensar que era possível, já que naqueles tempos desejava ser jogador, o tempo e a minha autocrítica deixaram evidentes que não.

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