Fito Paez revisita sua obra prima
Fito Paez – EADDA9223
61′, 14 faixas
(Sony)
Fito Paez vive momento de sonho em sua carreira. Seu álbum de 1992, “El Amor Después Del Amor”, o álbum mais vendido da história da Argentina, completou trinta anos, fato que desencadeou uma série de eventos comemorativos. O primeiro veio na forma da minissérie da Netflix, que leva o nome do disco, mostrando a vida de Fito da infância em Rosário até o show feito no estádio do Velez Sarsfield, em abril de 1992, que recebeu um público de 60 mil pessoas. Depois, o início da turnê atual, na qual ele tem revisitado o repertório do álbum diante de plateias lotadas e apaixonadas. Por fim, chega esta revisita, reimaginando as quatorze faixas do disco original, com um novíssimo leque de convidados. Tudo isso mostra que Fito se tornou um gigante da música argentina ao longo do tempo, conseguindo até ultrapassar a cerrada fronteira cultural Brasil-Argentina em alguns momentos.
Nada mais justo que, depois de todos esses anos, Fito revisite sua criatura mais querida. Aqui no Brasil a gente o conhece desde que os Paralamas do Sucesso revisitaram “Track Track”, canção originalmente presente no disco “Ciudad De Pobres Corazones”, álbum barra pesada de Fito, gravado em 1988. A partir daí, a obra do rosarino foi revisitada várias vezes, com destaque para a canção “Un Vestido y Un Amor”, que ganhou versão de Caetano Veloso em “Fina Estampa”, seu disco de canções latinas, de 1994. No mesmo ano, os mesmos Paralamas gravaram uma parceria inédita com Fito, “El Vampiro Bajo El Sol”, no álbum “Severino”. No ano seguinte, o chamaram para participar do álbum ao vivo, “Vamo Batê Lata”. Dois depois, os Titãs convidaram Fito para participar do “Acústico MTV”, na melhor versão de “Go Back” que eles já gravaram. Depois destas primeiras parcerias e participações, o argentino passou a vir ocasionalmente ao Brasil, algo notável, mas ainda incipiente dada a excelência de sua obra.
O álbum de 1992, como diz seu título – “O amor depois do amor” – marcou o renascimento emocional de Fito ao iniciar relacionamento com a atriz Cecilia Roth, depois de anos ao lado da cantora Fabiana Cantilo. O fim dos anos 1980 foram especialmente turbulentos para Fito, imerso em drogas e tragédias pessoais – como a morte de suas avós, assassinadas – além do próprio rompimento com Cantilo. Entrar nos anos 1990 com novos ares surgia como a única alternativa viável para ele e isso aconteceu com o álbum “Tercer Mundo”, sua estreia pela Warner Latina. O disco demorou a fazer sucesso, mas, depois que engrenou nas rádios da América Hispânica, levaram Fito para um patamar altíssimo, a ponto de receber sinal verde do próprio André Midani – presidente da Warner – carta branca para todo o processo de gravação de “El Amor Después Del Amor”. O resultado todos sabem, um colosso cultural e multi-vendedor em seu país natal.
A reimaginação que Fito propõe em EADDA9223 (as iniciais do título, mais os anos 92 e 23) não ultrapassam os originais, mas oferecem novas e interessantes perspectivas, além de ressaltar a excelência do repertório de 31 anos atrás. Dois brasileiros estão presentes e fazem bonito: Chico Buarque (que já foi personagem de uma canção de Fito, “Carabelas Nada”) abrilhanta a belíssima “Pétalo de Sal”, que tem aqui sua intensidade melódica levada a um outro lugar por conta do belo arranjo. Dessa forma, Chico retribui a belíssima cover que Fito fez para “Construção” em seu álbum “Canciones Para Aliens”, de 2011. Marisa Monte participa da arrepiante versão da clássica “Un Vestido Y Un Amor”, cujo arranjo quase não foi modificado. Além deles estão presentes alguns novos talentos da música argentina, especialmente o grupo Conociendo Rusia, que participa da versão de “La Rueda Mágica”, ao lado de Andrés Calamaro, que estava no time de convidados do original. A cantautora chilena Mon Laferte faz maravilhas em “Sasha, Sissi y El Circulo de Baba”, enquanto “Brillante Sobre El Mic” recebe novas tinturas com a presença da mexicana Angela Aguillar. E tem Elvis Costello em “Trafico Por Katmandu”, num arranjo big band sensacional, mostrando a gratidão de Fito pelo convite que Elvis lhe fez para participar de “Spanish Model”, sua releitura latina de “This Years Model”, lançada em 2021.
“EADDA9223” não tem o brilho do álbum original e nem pretende. É uma celebração de um feito cultural, de um disco de amor que fez renascer um dos grandes nomes da música argentina. É um típico álbum de amor, inteiramente dedicado a uma musa – a própria Cecilia Roth, com quem Fito foi casado até 2003 – e que marca uma dessas unanimidades que se mantém com o passar do tempo. Lindeza.
Ouça primeiro: “Sasha, Sissi y El Circulo de Baba”, “La Rueda Mágica”, “Brillante Sobre El Mic”, “Pétalo de Sal”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.