A versatilidade do Som Imaginário ao vivo

 

 

 

 

Som Imaginário – A Banda da Capital
59′, 10 faixas
(Far Out Recordings)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

Som Imaginário foi uma banda com possibilidades criativas bastante peculiares e praticamente ilimitadas. Inicialmente composto por músicos mineiros, o grupo fez parte da cena monumental que orbitou as gravações do álbum “Clube da Esquina” envolvendo os cantores e compositores Milton Nascimento e Lô Borges, no início dos anos 1970. Eles eram os músicos de estúdio e a banda que acompanhava Milton ao vivo. Além disso, tocavam e gravavam por conta própria, como artistas com trajetória à parte. Eram tão habilidosos e versáteis, capazes de tocar praticamente qualquer coisa. Sua carreira foi curta, porém marcante: lançaram um aclamado trio de álbuns de estúdio pela Odeon entre 1970 e 1973; dois discos homônimos e o seminal “Matança Do Porco”. Influenciado igualmente por samba, bossa, MPB e Tropicália, o Som Imaginário ainda adicionava a estes ritmos tão brasileiros, doses generosas de rock progressivo, folk, psicodelia, funk, jazz latino com criatividade, fluidez e ressonância.

 

“A Banda Da Capital” foi gravado ao vivo em 1976, em Brasília. Esta edição ainda traz duas faixas-bônus retiradas de uma apresentação que data de outubro de 1975, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Esta encarnação do Som Imaginário incluiu o fundador/pianista/compositor Wagner Tiso, o guitarrista Fredera (apelido de Frederico Mendonça de Oliveira), o saxofonista/flautista Nivaldo Ornelas, o baterista Paulinho Braga, o baixista Jamil Joanes (depois da Banda Black Rio) e alguns convidados. O show de Brasília foi gravado e mixado profissionalmente, mas acabou arquivado porque Wagner Tiso não conseguiu encontrar uma gravadora que se interessasse por ele. A gravação ficou em seus arquivos por quase cinquenta anos antes de ser restaurada e remasterizada por Frank Merritt para a Far Out Recordings.

 

 

Essas dez faixas mostram a abordagem plural do Som Imaginário para fazer música. Na abertura “Radio Guarany”, Braga e Ornelas tocam um dueto com percussão marcial e uma melodia circular extraída do folk, que soa mais como jazz moderno. “Xa-Mate”, um breve interlúdio, é uma continuação, apresentando guitarras elétricas sujas, um distinto sax tenor, baixo estrondoso, piano caleidoscópico e bateria atmosférica em uma improvisação que dá lugar ao piano jazz modal de “A Igreja Majestosa” com linhas de baixo esparsas e tom-toms emoldurando um canto vocal de grupo sem palavras à la Azymuth. “Os Cafezais sem Fim” une jazz funk com uma variante especialmente viajante de samba brasileiro. O solo de piano elétrico de Tiso é elíptico, cheio de harmonias evocativas. A faixa-título combina uma linha de baixo funky disco (marca registrada de Jamil Joanes) com uma guitarra elétrica estridente e suja, emparelhada em uníssono com o saxofone tenor. Ele evolui de forma fluida e dinâmica e se torna uma improvisação de grupo cinética e astuta baseada em um único vamp rítmico. “Imaginados” é um dueto intrépido, uma espécie de fantasia para violões e voz.

 

 

As versões jazz-rock “Armina” e “Manuel o Audaz” são as faixas bônus. Ambas trazem a participação de Toninho Horta, convidado especialmente para o show do MAM. O entrosamento entre a banda e Horta é tão profunda que parece instintiva. A versão de “Manuel, o Audaz”, já aponta o arranjo que seria utilizado mais tarde, na gravação em estúdio da canção, um dos grandes marcos da produção adjacente ao “Clube da Esquina”, no início dos anos 1970. Ao fim das dez canções, a gente fica de queixo caído com o nível da performance do Som Imaginário ao vivo e não compreende a dificuldade de Tiso em achar uma gravadora interessada em lançar o disco em seu tempo. “A Banda Da Capital” é, em última análise, um dos grandes discos de jazz fusion perdidos – e recuperados – dos anos 1970.

 

 

Ouça primeiro:  “Armina”, “A Igreja Misteriosa”, Manuel, o Audaz”, “Os Cafezais Sem Fim”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

One thought on “A versatilidade do Som Imaginário ao vivo

  • 5 de junho de 2023 em 11:41
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    Amei esse disco, já acessei a Far Out e .fiz o pedido do CD hehe….só aguardando chegar.

    Resposta

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