Exclusivo: leia trecho da biografia de Júpiter Maçã
Há alguns dias demos a notícia do relançamento da biografia Júpiter Maçã: A Efervescente Vida & Obra, assinada pelos jornalistas Cristiano Bastos e Pedro Brandt. Publicada originalmente em 2018, suas duas primeiras tiragens esgotaram rapidamente. Hoje em dia o livro converteu-se num item raro, disputado entre fãs e colecionadores em sebos e na internet (um exemplar usado do livro chega a custar até R$ 500).
Após a publicação, que foi muto acessada, pedimos ao autor – e colaborador bissexto da Célula Pop – Cristiano Bastos, a licença para publicar mais alguma coisa sobre o livro e ele, numa gentileza enorme, liberou um capítulo inteiro da obra, dedicado ao mitológico palco de shows na capital gaúcha, a Garagem Hermética.
Lembrando: quem adquirir o livro na pré-venda (que se estenderá até o dia 23 de abril) tem a possibilidade de escolher entre um dos cinco modelos de capas que serão feitas. De quebra, ainda leva um conjunto de cinco cartões-postais com os layouts de todas as capas. Todas as informações sobre a pré-venda, estão disponíveis, desde terça (26/1) na página do livro no Facebook. É só acessar Júpiter Maçã: A Efervescente Vida & Obra.
Leia o capítulo inédito abaixo.
Garagem Hermética
Com o rock brasileiro mainstream em baixa, abaixo da linha do Equador, a Porto Alegre da primeira metade dos anos noventa, finalmente, podia viver seu momento mais legitimamente “underground” – com poucos lugares para tocar, porém, vivenciando uma efervescência de bandas nunca antes vista: muitas delas apostando em sonoridades excêntricas e, por vezes, ousadas. Tempos de Academias Chiquérrimas, Sangue Sujo, A Cretinice me Atray, Aristhóteles de Ananias Jr., Barba Ruiva & Os Corsários, Benedicty, Borboleta Negra, Briggit Bardot, Colarinhos Caóticos, Crushers, Lovecraft, Marmanjados, Motor Mojo Junkie, Narciso, Père-Lachaise, Molly Guppy, Hip Horse, Tarcisio Meira’s Band e, claro, Graforréia Xilarmônica.
Com a decadência do rock no gosto popular, os espaços para shows haviam escasseado de maneira drástica. Os remotos, espalhafatosos e promissores anos oitenta haviam se convertido numa lembrança recém-esquecida. Dias em que a resistência rocker em Porto Alegre acontecia, basicamente, em apenas dois lugares: no Bar Ocidente e no Porto de Elis. “Todas as casas noturnas oitentistas haviam fechado as portas ou optaram por não mais fazer show com bandas de rock”, rememora Castor Daudt. Picos anteriormente movimentados, como a danceteria 433, Terreira da Tribo e The B-52’s também haviam encerrado atividades, assim como o pioneiro Rocket 88, pertencente ao músico Mutuca. “Nos anos noventa, o Porto de Elis foi o principal local – reduto final de toda uma turma”, afirma Daut.
O músico Beto Nickhorn, integrante da Lovecraft, traz à baila outro fato, que muito serve para explicar o arrefecimento dos lugares para tocar naqueles dias: a explosão das bandas cover. “No período entre 1990 a 1993 começou, na cidade, uma febre de bandas cover. Foi uma época difícil, pois a maioria dos bares queria somente esse tipo de som, que dava mais dinheiro”, elucida. Ele, todavia, consegue ver um lado positivo neste contexto: os primeiros anos da década de noventa foram um hiato – “uma pausa, um respiro”, nas suas palavras, para coisas bem legais que estavam por surgir. Nickhorn lembra quando se deparou pela primeira vez com o Flávio Basso “mod”. Ou melhor, o Flávio “Júpiter Maçã”: “Uma noite, por volta de 1995, eu estava tocando com a Lovecraft no Garagem Hermética. E, de repente, apareceu um sujeito com o cabelo curto e franjinha, estiloso, que eu via pela noite sempre acompanhado de uma amiga em comum. Ele chegou timidamente, elogiou meu estilo de tocar guitarra e depois saiu ‘de cantinho’. Curioso, perguntei pra um amigo se ele conhecia aquela figura e ele respondeu: ‘É o Flávio Basso, oras!’”. Após este “hiato”, toda a cena porto-alegrense de rock concentrava-se no lendário Porto de Elis (que durou de 1989 a 1994) – um lugar amplo, com capacidade para mais de mil pessoas, cujos shows lá realizados, ainda hoje, habitam a memória dos roqueiros locais. Bandas como Comunidade Nin-Jitsu e Black Master, por exemplo, estrearam no palco do Porto de Elis. Quem comandava um dos principais projetos da casa, a Segunda Sem Ley, era o músico e produtor Egisto dal Santo. Ao todo, mais de 600 bandas gaúchas, de todas as espécies e gêneros, apresentaram-se no projeto. E, detalhe, com casa cheia. “Botávamos 800 cabeças numa segunda-feira”, estima Egisto. Tocaram na Segunda Sem Ley desde os Cascavelletes ao TNT (em sua única apresentação no Porto de Elis, quando do breve retorno de Flávio à banda) e, até mesmo, o próprio Flávio Basso (somente como “Flávio”).
Aquele era, segundo Egisto dal Santo, um espaço em que as bandas tinham tudo que precisavam à disposição como, por exemplo, bons equipamentos, produção e divulgação. “Comparado a qualquer outro lugar do Brasil, o Porto de Elis tinha altíssimo nível”, diz. Relembra o produtor que, sem banda alguma e transando seu flerte “folk”, certa noite Flávio chegou humildemente e pediu para tocar algumas das “coisas novas” que andara compondo. “O Flávio, que tinha sido do TNT e dos Cascavelletes, duas bandas de destaque, de repente não era mais porra nenhuma – apenas um cara à procura de um novo caminho musical”. E o que Flávio teria tocado na ocasião? Conforme Egisto, um punhado de músicas “meio Bob Dylan” empunhando sozinho uma guitarra. “Já tinha ali, com certeza, algo da persona que depois ele batizaria de ‘Woody Apple’”.
Dal Santo considera que Flávio, nessa fase de interstício, encontrava-se em completa (talvez inconsciente) transformação artística. Uma coisa de Dylan/Woody Guthrie com Ian Anderson (do Jethro Tull) andarilho delirante do Bom Fim, ele define. “Quase um mendigo”. Tempos em que Flávio ainda estava longe de ter elaborado seu imitadíssimo visual psychedelic, que ditou moda na Porto Alegre de vinte e tantos anos atrás. Egisto e Flávio se encontravam assiduamente para beber no extinto Bar do Léo, que se localizava na Rua Santo Antônio, onde funciona hoje em dia um centro espírita. Os dois divagavam longamente sobre garotas, noite, rock e as questões de estilo. Principalmente sobre garotas, ressalta Egisto. Mas as minúcias musicais sempre estavam em pauta. “Ele [o Flávio] dizia que curtia muito a carga de efeitos, barulhos e psicodelias prensadas no LP Introdução, da minha banda, Colarinhos Caóticos. Entre papos sobre mulheres, discorríamos sobre o som de moogs, barulheiras, tipos de pedais, microfonias, alavancas e solos de uma nota só. O Flávio queria incorporar algumas dessas particularidades ao som dele, de maneira futurística, ele enfatizava comigo. Porém, sem perder a matriz british que tanto lhe fazia a cabeça”, conta Egisto.
Outros momentos dessa amizade em formação, frisa Egisto, eram as ocasiões em que, por volta de 1995, os dois iam à sua casa ouvir alguns discos juntos. Rock “em português”, uma das especialidades de Egisto. Foi quando Flávio começou a sacar Os Mutantes, coisa que faria em larga escala dali para frente. Egisto, que manjava muito da banda paulistana, deu-lhe todas as barbadas. Ele faz a distinção: “Ele [o Flávio] era mais Rita Lee do que Arnaldo Baptista, nessa época. Aliás, eu o apresentei ao Arnaldo, tanto o músico quanto o homem – em carne e osso”. O encontro entre os dois aconteceria exatamente dez anos depois, em 30 de janeiro de 2005, em Porto Alegre, quando Arnaldo apresentou-se ao lado de Bebeco Garcia & O Bando dos Ciganos (no qual Egisto tocava contrabaixo) e Júpiter Maçã.
Se a semente Júpiter andava florejando nos bastidores do Porto de Elis, a total translação de Flávio (ou de Woody) para Maçã rolaria mesmo no infecto pomar que eram as dependências da “espelunca” Garagem Hermética, cujos proprietários Leonardo Felipe (“um bancário infeliz com uma bela coleção de discos”) e Ricardo Kudla (“um cara que trabalhava com computadores numa época em que pouca gente tinha um em casa”) abandonaram suas atividades profissionais para abrir um bar, um sonho que ambos tinham. Em comum, além da música, Leo e Ricardo frequentavam os mesmos lugares: a tradicional Lancheria do Parque, o Ocidente e o Fim de Século. Encravada num vetusto casarão meio caindo aos pedaços, situado entre os bairros Bom Fim e Independência (na Rua Doutor Barros Cassal, 386), o Garagem, aludindo à interpretação do jornalista Fernando Rosa, foi uma espécie de santuário que serviu de “ritual de passagem” para as bandas gaúchas. A inspiração de Leo e Ricardo para dar vida ao Garagem, foram os “bares mais legais da história”: Cabaret Voltaire em Zurique, o Whiskey a Go-Go em Los Angeles, o La Hacienda em Manchester, o Rick’s em Casablanca, o Studio 54 e – “o the-greatest-of-them-all” – CBGB, em Nova York. “Tá certo que aqui era apenas Porto Alegre, mas a gente fez o que pôde”, comenta Leo. O nome do bar veio da história em quadrinhos A Garagem Hermética, do francês Jean Giraud, também conhecido pelo pseudônimo Moebius.
Em seu livro A Fantástica Fábrica, de 2014, Leo Felipe recupera em detalhes (alguns envoltos em sordidez) a movimentação underground da cidade, decantando casos folclóricos e divertidos (certos deles trágicos), além de falar sobre os principais artistas e bandas noventistas que por lá passaram. Entre as inumeráveis, Ultramen, Space Rave e a Graforréia Xilarmônica, que, por sinal, fez o show de inauguração do estabelecimento. Leo relata no livro que foi um show barulhento (“O PA ainda estava sendo ajustado aos cômodos da velha casa”). “No palco – usando ternos e gravatas completamente démodé, shorts de educação física, chinelos de dedos e óculos escuros de morcegos de asas abertas nas caras intencionalmente panacas – Carlo Pianta, Frank Jorge e Alexandre Ograndi comandaram por quase três horas, com maestria dos grandes, a catarse coletiva que é um bom show de rock”, escreveu.
Seria neste terreno que surgiria, desagrilhoado de sua persona folkdylanesca, o inteiramente embebido em lisergia Júpiter Maçã. Entretanto, Leo frisa que, apesar de sua queda pelos sixties, Flávio jamais foi saudosista. Era Leo, pelo contrário, que se amarrava tanto no “passado” tanto quanto no “futuro”: “Sempre que eu falava em anos 60, o Júpiter me interrompia dizendo: ‘Anos 2000, o lance é anos 2000’”. A ele, Júpiter narrou divertidos causos. Um deles sobre o dia em que foi jogar uma pelada no sítio de Chico Buarque nos tempos de Cascavelletes (o old blue eyes tupiniquim, segundo Maçã, não jogava “um ovo”). Ou, então, detalhes sobre seu autoexílio (num quarto-e-sala qualquer no centro histórico de Porto Alegre) para criar sua persona psicodélica – que lhe permitiria revelar, enfim, toda sua potencialidade como compositor.
No livro, o autor dá detalhes sobre a chegada desta “estranha e sedutora figura” que assoprou novos ares tanto no Garagem Hermética quanto no rock brasileiro. “Vapores estupefacientes? Bafo de bíter? Não saberia dizer. Novos ares, mais chapados com certeza”, ele arrisca desvendar. Um “vendaval de sensações”: “Beber, falar, tomar LSD, Syd Barrett e os Beatles e, principalmente, o refrão com as pessoas loucas e superchapadas. Quando ouvi aquela música, saquei tudo. Aquele lugar do caralho que ele cantava era um lugar muito parecido com o Garagem (se bem que a [amiga] Joy sempre dizia que ‘lugar do caralho’ é a cueca)”.
Em certa passagem do livro, Leo menciona o “cio das meninas de cabelo curto e grudado na testa”, uma referência à canção “Pictures and paintings”. Surge a seguinte dúvida: teriam sido elas (as meninas de cabelo curto e grudado na testa) que literalmente teriam levado Flávio pela mão ao Garagem e o introduzido àquele ambiente? Ou, o oposto, haveria sido ele, sozinho (e ao melhor estilo “exército de um homem só”), responsável pelo desencadeamento de toda a cena “mod psicodélica” que se Júpiter Maçã: A efervescente vida & obra formou ao redor daquele planeta em formação chamado Júpiter? Talvez nunca saibamos.
Porém, há pistas. E o próprio Flávio nos dá indícios. Em Gauleses Irredutíveis, ele narra que, à época, saiu em busca da “nova cena” de rock em Porto Alegre, e foi encontrá-la justamente no Garagem: “Me disseram: ‘Vai lá [no Garagem Hermética], tem umas pessoas esquisitas, que parecem com você…’ E eu: ‘Aonde?’. ‘Por ali… você vai ter que subir e descer’… Cheguei e era aquilo mesmo, de fato. Estava tocando ‘Anyway, anyhow, anywhere’, do The Who, com umas garotas de cabelo curto, navalhado, dançando… Eu disse: ‘Oh, my God! It can’t be happening now!’ E me empolguei com a cena de novo. Eu, que estava transitando entre o canto folk rock, com letras de expansividades cósmicas, e uma estética eletrificada, um pouco mais radical, disse: ‘Esse é o berço!’ Mergulhei com tudo. Umas pessoas me cataram e formamos uma nova banda. E assim me eletrifiquei novamente: eu já havia largado a guitarra, eu estava tocando violão e gaitinhas, e a letra era o que havia de mais ácido na minha música. Mas, como Woody Apple foi pro Garagem – luzes, a coisa toda, o envolvimento com a cena… A guitarra elétrica voltou. Foi mágico. Eu nunca fui tão jovem quanto naqueles anos. Eu não era tão jovem assim no Ocidente, com os Cascavelletes”, revelou.
Um dos gloriosos momentos de Júpiter Maçã no Garagem, com absoluta certeza, foi durante o célebre festival Montehey Popstock – Três Dias de Arte, Rock & Sabedoria (que reuniu uma pequena mostra do cenário lisérgico-alternativo nacional), produzido, entre 10 e12 de abril de 1997, por outro arauto do psicodelismo porto-alegrense: Plato Divorak. O show contou com grupos como Plato & Frank e Empresa Pimenta, Argonautas, Moses (banda de Leo Felipe), La Infâmia, o trio paulistano The Charts, os argentinos El Secreto e Júpiter Maçã.
O Montehey Popstock ganhou destaque no caderno Zap! do jornal O Estado de S.Paulo, em matéria assinada por Ricardo Alexandre, cujo título era “Os Malucos lá de Porto – No Sul, as bandas já sabem de tudo”. A reportagem referia-se à intensa ebulição e independência que rolava na cena local. “Quem acompanha o universo pop nacional sabe que as coisas não são mais como há três anos. Hoje, as gravadoras só se interessam por irreverências de proveta, as casas noturnas fecham as portas e as demos bacanas rareiam”.
Sobre Júpiter Maçã e o então recém-lançado A Sétima Efervescência, o jornalista escreveu que seu novo disco “mistura uma cáustica psicodelia com bubblegum e uma impressionante presença de palco”. “Faixas como ‘Miss Lexotan’ e ‘O novo namorado’ ganharam novos e lisérgicos arranjos, muitas vezes encarnando as históricas jams que esbaldaram os fãs de psicodelismo”.
Em outra célebre aparição de Maçã no Garagem, num show em homenagem aos 30 anos do disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, ele não tocou “It’s getting better” conforme combinado – mas, ao lado de Gross e Cascaes, transformou “Mr. Kite” em dez minutos de pura psicodelia sônica, digna dos melhores power trios. A música, uma fritação da mais alta combustão, depois sairia na coletânea Francis Picabia, em cassete, ao lado de outras bandas da época.
Leo revela que os afters hours do Garagem prolongavam-se até uma, duas da tarde. “O Sol assando a rua enquanto a gente seguia trancado lá dentro numa atmosfera controlada de fumaça de cigarro e cheiro de ceva azeda. O Júpiter era o centro solar daquela galáxia de loucos. Todo mundo gravitando em torno dele. Bebendo cachaça no Bar João por 18 horas consecutivas, amanhecendo na grama da Redenção com as roupas cobertas de folhas, falando inglês cockney fake, trepando em banheiros sujos, rodando em busca de cocaína”, anotou em seu livro. Conta ele, ainda, que, nessa época, Flávio estava pleno em sua trip alcóolica. Comer, quase nunca. Um de seus esportes favoritos, segundo ele, era filar bebida dos outros. “Era sempre tarde (ou cedo, dependendo do ponto de vista) quando, trôpego, ele [Júpiter] entrava no bar, paramentado de Sargento Pimenta, mãos dadas com a louríssima Magra de minivestido vermelho e sem sapatos, os joelhos escalavrados de cair no chão e seguir arrastada pelo outro. (…) E ia atormentando um por um até conseguir quantas doses de qualquer coisa pudesse extrair de qualquer um disposto a cair no papo infalível. Ou seja: todo mundo. Quase não ingeria sólidos. Quando o sushi-bar ainda existia (resistia?) a gente dava uns sushis pra ele comer no final da noite. Engolia dois sushizinhos e já perguntava se não tinha sakê”.
As conversas que mantinham, narra Leo Felipe, giravam basicamente sobre um tema: eles próprios. “Sendo que ele [Júpiter] geralmente era o assunto mais comentado – seu egocentrismo sobrepujava o meu”. E música – sempre. “O Flávio normalmente chegava muito tarde porque ficava bebendo no [bar] João. Lembro-me de a gente ficar ouvindo som e beber até a hora de fechar, naquele clima de after party”. Para Leo, o músico foi capaz de dar vida a uma persona diretamente ligada à estética da lisergia e do amor livre. Contudo, ele faz importante discernimento: “O homem [Flávio], porém, é da estirpe dos malditos, de modo que coube aos discípulos (filhotes?) trazer de volta os anos 1960 em cadeia nacional, via MTV, bem debaixo dos chapéus tipo Bob Dylan”.
Na atmosfera profana do Garagem Hermética, Flávio, em vias de separar-se de Rachel, sua esposa, conheceu a mulher que inspirou boa parte das faixas da fita demo Júpiter Maçã & Os Pereiras Azuiz e, consequentemente, o disco A Sétima Efervescência. Entre as mais marcantes, “Orgasmo legal”, “Eu e minha ex” e o “O novo namorado”. O nome dela, Fabiane Ribeiro Alves, a Fabi. Entre idas e vindas, pois as brigas eram constantes, o namoro durou dois anos, de 1994 a 1996, de “só love”, define Fabi. Ela busca na memória a circunstância em que os dois viram-se pela primeira vez. Conta Fabi que era o ápice do inverno na gélida Porto Alegre, o dia quase amanhecendo. Ela vestia um casaco de pele que fora de sua avó e bebia sozinha uma cerveja no corredor, encostada na parede do bar. “Vi que ele [Flávio] estava me olhando e eu, que o achava muito gato, desde os tempos de Cascavelletes, também dei uma olhadinha. Lembro que até dei uma olhada pro lado, para ver se realmente era comigo, e notei que, de fato, era mesmo pra mim que ele olhava. Ele veio até mim, deu um oi e começamos a conversar. Saímos do Garagem com o dia amanhecido”.
Do inferninho, pegaram a pé o rumo do apartamento de Fabi e, antes de darem o primeiro beijo, tomaram umas doses de conhaque. Na trilha sonora, vinis de Bob Dylan, Janis Joplin, Simon & Garfunkel e rock anos sessenta. Fabi afirma que, naquele instante, nem pensou na possibilidade de ficarem juntos. “Ele [Júpiter] disse que estava se separando da Rachel e eu pensei: ‘Hummmm’. Eu achei que não ia rolar”. Mas “ficaram”. Pelo menos por um tempo.
Como narrado anteriormente, é nesse ponto da história que Flávio sofre um grave acidente de carro que o deixa completamente fora de combate durante semanas. Do nada, conta Fabi, ele deu uma sumida. “Só que eu não sabia que o Flávio tinha sofrido um acidente. Naqueles tempos, a gente não tinha telefone celular, Internet, essas coisas tecnológicas todas de hoje em dia que facilitam a comunicação”, ela diz.
Continua…
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.