Eu ouvi o EP da Juliette

 

 

Em primeiro lugar, convém dizer algo importante. Eu poderia esbarrar com a Juliette na fila do mercado que não iria fazer ideia de quem ela é. Não vejo BBB desde a primeira edição, a qual só vi para saber do que se tratava e se tinha mesmo alguma coisa a ver com o livro de George Orwell. Sim, sou um ingênuo. Portanto, não tenho noção da história da moça, pelo menos, não além do release que recebi na noite de ontem, avisando de que seu EP de estreia estava disponível nas plataformas de streaming. O tal release a coloca como uma brava e bem sucedida moça do Nordeste, que, aparentemente, deu certo. E se vangloria de trazer vários “conterrâneos” de Juliette na produção e confecção do EP. Como se, finalmente, esta região do país, só agora estivesse ganhando uma representatividade. Por meio dela. Fala sério, né?

 

São seis músicas, que perfazem um total de 17 minutos e 47 segundos. Três delas têm títulos iguais às de canções do Boogarins, “Benzin”, “Doce” e “Sei Lá”, o que, convenhamos, é bem estranho, uma vez que o ótimo rock psicodélico da banda goiana não passa nem na mesma galáxia do pop aguado que a moça apresenta em seu primeiro feixe de canções. Com a produção de gente “conhecida” (segundo o release) como Umberto Tavares, Rafinha RSQ, além de Anitta (ela, sim, quem não conhece?), o EP parece durar o quádruplo de tempo, tamanha a indigência dos arranjos. Além dessas pessoas, outras como Juzé, Dann Costara e Toim do Gado estão envolvidos no projeto, sendo que este Juzé parece ser o mentor e formatador da abordagem musical que Juliette faz.

 

Quem lê, pensa que é a chegada de um novo divisor de águas na música brasileira neste terceiro milênio, não? Mas que nada. É, como eu disse, um feixe insípido de cançonetas feitas com uma indigência espantosa. Não se trata de procurar achados líricos complexos na música que Juliette canta, mesmo porque, se há uma origem para ela, certamente, é a mais popular possível, o que, sabemos bem, não desmerece ninguém, nem nenhum artista. O problema está, talvez, em oferecer um produto tão limitado, tão pobre em possibilidades, tão inserido na esfera global/televisiva de “arte”. Porque, uma vez que a pessoa é alçada a uma posição de protagonismo nesta mesma mídia – caso dela – talvez passe a desfrutar de uma condição de propor algo minimamente relevante, enfim.

 

Eu disse que era ingênuo.

Enfim, são seis faixas, todas arranjadas como se alguém estivesse dormindo e apertando as teclas do computador. As letras contêm achados como os que separei abaixo:

 

“Agora, se foi fácil, foi não // Rapadura é doce mas não é mole, não (“Bença”).

 

“Eu sou do nordeste, ele é do sul // Prefere rap, eu sou mais Gadu” (“Diferença Mara”)

“Nunca foi sorte, sempre foi Deus” (“Diferença Mara”)

 

“Eu matava e morria se preciso fosse // Pois nem um doce de batata doce // Tem seu doce mel” (“Doce”)

 

“Sei lá porque eu ainda escrevo o seu nome na areia // E me pego pensando em você quando olho as estrelas” (“Sei Lá”)

 

“Eu sou gaivota que esqueceu como voar // Peixe de rio que já se perdeu no mar
No seu olhar” (“Benzin”)

 

É que teu beijo é massa // Eu gosto quando tu me amassa // Quando tua língua passa devagarinho” (“Vixe que Gostoso”)

 

 

 

Se você quiser conhecer um disco de artista nordestina, arretada, genial e que, além disso, é um dos melhores de 2021, vá atrás de “Nordeste Ficção”, da potiguar Juliana Linhares. Perto dele, este EP da Juliette parece um trabalho de feira de ciências do ensino fundamental. Desculpa.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

2 thoughts on “Eu ouvi o EP da Juliette

  • 8 de setembro de 2021 em 10:50
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    Nem vou perder tempo…

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  • 5 de setembro de 2021 em 05:54
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    Realmente, indigesto. Composições ruins que infelizmente reforçam muito estereótipos e o som é um pop aguado mesmo. Pobre de quem esperava que ela fosse uma nova Amelinha ou nova Elba Ramalho. Parece mais um trabalho do Melim.

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