Entrevistão Wado

 

Wado é um dos artistas com carreira mais longeva naquilo que entendemos como “indie nacional”.  Desde o início do século, ele vem lançando discos regularmente, sempre com uma preocupação de informar a música brasileira sobre detalhes e abordagens da música internacional alternativa, constituindo assim um trabalho que se distingue ao longo do tempo. Agora ele volta à carga com o belo “ A Beleza que Deriva do Mundo, mas a Ele Escapa “, novo trabalho que será lançado na sexta-feira, dia 02 de outubro, pelo selo Lab344.

 

O disco tem várias participações e aponta para uma palheta de cores mais soturnas, como se Wado estivesse num momento de reflexão, de olhar pra dentro de si, de colocar a casa em ordem. Tal impressão avança pelas faixas, pelos tons, pelos arranjos e pelas letras, que apontam para um trabalho mais introspectivo.

 

Batemos um bom papo com o catarinense, radicado nas Alagoas sobre pandemia, influências, novos e velhos talentos e perspectivas para o futuro.

 

 

– Você está prestes a completar 20 anos de carreira, sempre no que as pessoas chamam de “segmento indie”. Como você avalia este tempo transcorrido?

 

Wado: Ano que vem faz 20 anos que eu estou trabalhando com música independente correndo o circuito brasileiro, os SESCs, as casas de show, conseguimos criar um público em Brasília, em Goiânia, em Minas, Salvador, Ceará, Pernambuco, são praças fortes pra gente. São Paulo, Rio, Minas, né? Também a gente tem um público bom. No Sul a gente não conseguiu rodar muito, acho que até pela posição geográfica mesmo, porque eu estou aqui em cima, mas eu avalio como muito positiva e numa crescente. Apesar de ter momentos de maior expansão. Os dois primeiros discos deram uma resposta muito boa de críticas, mas ainda não chegavam a um público maior como “A Farsa do Samba Nublado” isso foi começando a condensar um circuito onde a gente frequentou de cena e que alimenta muito você rodar a cena indie faz com que as pessoas te ouçam, né? E de lá, do “Farsa Do Samba Nublado” foi uma crescente, foi o “Terceiro Mundo Festivo”, “Atlântico Negro” e desembocou no “Samba 808”, foram disco muito bem falados que a gente rodou bastante neste cenário independente. Com o “Vazio Tropical” a gente expande mais por conta do Camelo ter produzido o disco, que ele é um cara que tem um grande público no Brasil. Então, do “Vazio Tropical” a gente parte para um disco que as pessoas não entenderam muito bem, mas que eu particularmente acho muito bonito, que é o “1977”, que apesar dele não ter dado uma resposta boa de público, eu acho ele um disco muito bem gravado, muito bonito. E com o “Ivete” a gente volta a ter retorno de público e de crítica e também é um disco que não expandiu muito, mas a gente tem sentido agora, pelos singles que saíram que esse disco é um disco que expande, de novo né. Isso me dá uma alegria e uma calma neste momento de pandemia. Eu fico feliz.

 

 

 

– Vivemos num tempo de detalhes, de atenção desviada e disputada por quase tudo. Explica pra gente o título “beleza que deriva do mundo, mas a ele escapa” do seu novo álbum?

Wado: O título do disco novo “A Beleza que Deriva do Mundo, mas a ele Escapa” eu tirei de uma frase de um livro de Sidney Wanderley que é um poeta escritor aqui de Alagoas muito bom. A beleza que deriva do mundo, mas a ele escapa, para mim tem um monte de significados, é polissemântico, digamos assim. É uma coisa assim, a arte que deriva do mundo e escapa dele. Você pode ter essa interpretação. Você pode ter a interpretação de “ A beleza que deriva do mundo, mas a ele escapa” de que é uma coisa que foge, né? Também pode ter uma interpretação neste sentido. Bonito é que a frase é bonita em si e ela meio que reflete uma busca do disco de abstração, de ter conteúdos mais abstratos, mais amplos de significado, de não afunilar muito, abrindo essa possibilidade de interpretação, pra mim esse é o lance, sabe?

 

 

– As canções que você divulgou até agora mostram que trata-se de um trabalho diferente dos anteriores, mais voltado para tons escuros e reflexivos. Você está mais introspectivo?

Wado: Esse disco tem um “Q” mais introspectivo, mas ao mesmo tempo ele vai muito ao cerne das questões, ele é muito direto, ele funciona sem muleta, então… engraçado que eu quase que tava numa pandemia pessoal, eu tava num período sabático e tava saindo deste período, eu estava com passagem e hotel comprado para São Paulo, para ir negociar o disco e botar o disco no mundo. E no dia da minha viagem foi o que São Paulo fechou, então eu continuei neste processo forçosamente, num processo de … eu na verdade gostaria de, a partir do disco, que apesar de ser um disco muito vazio, ele comunica muito. Ele vai muito olho no olho, sabe? E eu pretendo, assim que a gente tiver uma vacina, não sei né. Meu sonho era de que eu pudesse rodar com isso, a gente não sabe como é que vai ser o dia de amanhã né. Uma situação em que a humanidade toda adoeceu junta. Então isso não acontece há gerações no mundo. É um fato muito importante e que nos deixou muito estupefatos, a todos. Então, tem isso.

 

 

 

– “Arcos”, uma das canções que você já lançou, mostra a participação de Yo Soy Toño, Felipe De Vas e Dinho Zampier. “Nina” traz a participação de Lucas Santtana, “Faz Comigo” tem a cantora Flora e “Depois do Fim” é um dueto seu com Zeca Baleiro. Como eles influenciaram no processo de composição das canções?

 

Wado: “Arcos”, na verdade o disco é muito… apesar dele ter esse caráter introspectivo, que você ressalta, mas ele pe um disco de parcerias, ne. Assim, acho que não tem uma música que tenha sido feita por uma pessoa só. E “Arcos” por exemplo, foi feita por mim e pelo Tiago Silva. Tiago Silva é cavaquinista do Sorriso Maroto e grande músico, grande amigo, grande compositor. E apesar dele trabalhar neste segmento do pagode, ele tem interesse pela música indie, a gente tem mais que 20 músicas juntos. Então, os meninos entraram, no caso de “Arcos”, o Tonho e o Felipe Devais e o Dinho, entraram como intérpretes. O Dinho, como instrumentista, ele criou as partes dele de arranjo e o Felipe e o Tonho cantaram a música comigo. O Lucas Santana canta “Nina” que também é do Tiago Silva, mesmo caso, ele interpretou e deu uma doçura muito bonita, a voz dele para a faixa, o sotaque baiano dele deu uma amolecida na canção e jogou um charme a mais. O Lucas é um cara que eu acho que na cena alternativa é o cara que tem a proximidade de anos de carreira e quantidade de disco. Esse é meu décimo primeiro disco e eu acho que não tem ninguém na cena que tenha essa quantidade de disco lançados. No caso do Tonho e do Felipe Devais, eles jogaram um frescor na canção e acho que acentuaram esse aspecto indie dela, assim de ser meio que Kings of Convenience e Radiohead ao mesmo tempo. Acho que eles ajudam neste sentido e o caso do Lucas, eu acho que ele joga essa coisa solar e da sílaba aberta do sotaque baiano. O Zeca realmente foi um caso a parte porque foi a única música feita durante a pandemia e a gente fala justamente dessa precarização que a pandemia acentua pra gente, foi uma construção, ele produziu a faixa comigo, a gente compôs junto e produziu junto. Então realmente é uma faixa de muita interação, assim. Eu aprendi muito, é uma música que tem uma grau de dificuldade muito alto,são uns acordes muito maduros de samba. Aprendi bastante com ele, esses últimos tempos a gente tem composto bastante junto e eu fiquei bastante feliz.

 

 

 

– Você surgiu como um dos representantes de uma “nova psicodelia” brasileira. Você acha que teu trabalho ainda está neste foco?

 

Wado: Meu primeiro disco, ele ia numa onda, nessa onda assim, dessa brasilidade indie, eu cheguei ali no meio junto com o Otto, um pouquinho depois, 98, eu saí em 2001. Tem essa coisa do samba com os elementos contemporâneos. E cada disco meu eu tento transpassar uma paisagem sonora diferente, então… agora tem norte da minha carreira que continuam sendo os mesmos, o samba o ijexá as batidas… são coisas que estiveram sempre muito presentes na minha produção. A brasilidade, a paixão pela música brasileira e a paixão pelo indie, pelo contemporâneo , essas esquinas que se mostram.

Se eu continuo nesse foco? Então, a brasilidade tá comigo ainda nesse disco, a minha paixão pela música brasileira tá ali. Só que ele tem essa radicalidade de não ter os instrumentos de ritmo. Apesar de que os instrumentos harmônicos eles são rítmicos também, o que não há é o instrumento de ritmo exclusivamente. Mas no disco estão sugeridos ali no violão, no piano são sugeridos os sambas, os ijexás as baladas, que são coisas que eu frequentei. Então de certa forma é sim uma continuidade só que com essa obstrução outra. Eu tenho dito que tem um filme muito importante pra minha carreira, que eu assisti com Glauber Xavier, que chama “Cinco Obstruções” do Lars von Trier, onde o LArs von Trier propõe a um diretor mais velho do país dele, que ele refaça um curta-metragem cinco vezes co obstruções diferentes, entendeu? “Agora você faz um desenho animado”, “Agora você vai a Cuba filmar” e o longa-metragem conta a história desse diretor fazendo o filme cinco vezes. E eu gosto de me colocar essas obstruções no meu trabalho, então tem …. A obstrução dessa vez é a ausência do ritmo.

 

 

 

– Das bandas e artistas novos daqui e de fora, o que tem te chamado a atenção?

 

Wado: No Brasil tem muita coisa boa rolando, a Duda Beat é um fenômeno, o Tim Bernardes também é um cara maravilhoso. O Teago Oliveira eu acho muito massa o disco solo dele. Eu sou apaixonadíssimo pela Luiza Lian acho maravilhoso, é um disco que sempre ouço o “Azul Moderno”. Daqui de Alagoas, essas pessoas todas que estão no meu disco, a Lori B., a Flora, o Felipe o Toño, a Lari, muita gente boa. Dos gringos eu gosto muito do Frank Ocean, gostei muito. Pra esse disco eu acabei ouvindo muito o Kings of Convenience, The Black Keys e os caras que pra mim são pilares, que é o Sufjan Stevens e o Bon Iver pra mim eles são filhos do Elliott Smith e nessa escola da harmonia e melancolia eles são campeões, eu adoro escutar eles

 

 

– Como você vê essa lógica da música digital, não só na facilidade, mas nas maneiras de medir popularidade via plays, playlists e tudo mais? Você fica confortável com algoritmos?

 

Wado: Eu fiz uma associação agora com um selo do Rio de Janeiro que chama Lab 344 e eles me posicionaram muito bem agora com os singles que a gente lançou, a gente tem feito um trabalho bem inteligente pra streaming, conseguimos emplacar muita playlist. Estou bastante feliz com o início de entendimento dessa linguagem e a tarefa está sendo bem sucedida. Óbvio que a gente olha pra tudo com um olhar crítico. Eu continuo achando que a pertinência do like ela não é a pertinência da vida. O que tem muito like não necessariamente é aquilo que importa, ou aquilo que a gente gosta, entendeu? Acho que o like te traz um conforto de viabilidade de vida para expandir a tua informação e tal, mas não acho que a pertinência do like impute em algo de importância ou não, entendeu? Eu acho que as importâncias e o que é consonante a nós ou que a gente gosta vem de outras coisas. E o algoritmo é uma coisa.. Se você ja assistiu “O Dilema das Redes” … é preocupante, eu fiquei assustadíssimo com aquilo a coisa da inteligência artificial já nos venceu, uma loucura. Muito bom o filme, recomendo para todos.

 

 

– Sabemos que esta é uma pergunta difícil, mas também é raro encontrar um artista com uma discografia extensa como você: qual seu disco preferido? É possível dizer ou é como escolher um filho dentre vários?

 

Wado: Eu tenho discos prediletos em períodos, eu acho que dá pra ter porque eles não têm consciência (risos) como um filho tem, né? Você não vai declarar maior amor a um ou outro filho, porque os filhos são gente, né? Os discos não são gente, você pode escolher … tem sido agora o “Ivete”, até por que a vida tá tão difícil que essas coisas mais festivas e que são a minha grande paixão, vem do samba e do ijexá que vem da festa, que vem da música festiva. E ele é um disco tão singelo, ele é um disco.. Ele se chama “Ivete” mas é como se fosse a banda (?) do Caetano. É você tocas as células do axé e o ijexá de uma forma bem minimal e eu acho que a gente conseguiu uma riqueza tão bonita com tão pouco elemento e remetendo ao início do axé, com a temática do início do axé, com as minhas memórias afetivas. Hoje em dia ele fica ali, apesar de que… eu tô apaixonado pelo disco novo.

 

 

– Pergunta inevitável nestes tempos: como a Covid-19 afetou o lançamento e a própria elaboração do álbum?

 

Wado:  A Covid mudou tudo. A gente tá imerso nisso, a gente não sabe.. O disco foi, a gente foi protelando, a gente foi protelando o lançamento do disco sistematicamente. E eu acho que agora tá saindo num momento bom, sabe? Eu sinto que ele é muito conectado com esse espírito geral, parece até … tem músicas, tem uma música que é “Para Anthony Bourdain” que é sobre o suicídio do chefe de cozinha e apresentador que fala “e se o mundo, ele está doente, e pra quem busca esse deleite, essa é a noite do dia” . Parece que… essa música eu fiz bem antes da pandemia, parece que a gente tava falando disso. Em vários momentos do disco, a capa também que parece uma espécie de auto-abraço, acho que é super simbólico para o momento em que a gente está. O lançamento a gente tá tendo uma audiência muito boa, inédita assim, temos 400 mil plays nos singles já, em um tempo muito curto,  enquanto minhas músicas mais tocadas têm 400 mil plays. Eu digo são quatro músicas dando 400 mil plays, mas no período menor do que dois meses, entendeu. Então é uma perspectiva muito boa, parece que a audiência aumentou sobre elas. Parece que selo conseguiu nos conectar com as playlists que é onde a música toca, que é onde as pessoas encontram a canção hoje em dia. Então tá dando certo, eu fico muito esperançoso de que a gente possa apresentar pro público presentemente, não remotamente, que a gente possa fazer show em algum momento. Torço muito por isso.

 

 

– Saindo da música, a gente sempre pergunta como os entrevistados estão vendo o atual momento do país. Você é otimista a respeito do que estamos vivendo?

 

Wado: É um momento muito esquisito para o Brasil, a gent eque deu ao mundo o samba e a bossa nova, a gente deu ao mundo o tropicalismo… e essa saída do armário direcionando à direita é muito ruim, considero que seja muito ruim. Essa extrema direita e como essa extrema direita fisiológica tem conseguido manter seus 30 40% de aprovação, é uma coisa que me deixa muito triste. Espero que a gente amadureça enquanto nação, que a gente se reconstrua, que a gente realmente discuta. Acho que foi necessário a gente viver o que a gente tá vivendo, é necessário viver o que tá vivendo porque a gente precisa amadurecer os pontos. A gente sempre jogou as coisas para debaixo do tapete. Então a gente precisa discutir as coisas e amadurecer passo a passo. Eu acho que a gente tinha numa onda de alto astral e com uma espécie de prosperidade econômica, a gente passou direto por coisas que a gente deveria ter resolvido e agora a gente tá sendo obrigado a resolver. E eu tenho fé que a gente vai voltar a ser a nação linda e moderna e inteligente que a gente já foi, a gente vai voltar a ser, eu acredito muito nisso.

 

Colaborou Ariana de Oliveira

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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