Entrevista Tom Zé: “todo disco meu é uma aventura”

 

 

Tom Zé não envelhece e não para. Até quando ele parece estar quieto, surgem novidades velhas e novas sobre ele. Agora é a chegada do EP “Tribunal de Feicibuque” às plataformas digitais. O álbum, lançado em 2013, foi uma resposta do artista às acusações que recebeu por ter participado de uma campanha publicitária da Coca-Cola. Na época, quase oito anos atrás, podemos dizer que Tom Zé foi vítima de um ancestral do “cancelamento”, essa circunstância virtual tão em voga hoje em dia.

 

Como o homem não para, batemos um papo rápido por e-mail, mas já é uma entrevista muito querida, porque, afinal de contas, Tom Zé é, talvez, o verdeiro espírito tropicalista encarnado. Ativo, irreverente, inquisidor e … engraçado. Ah, e sincero. Suas palavras são totalmente verdadeiras e é com orgulho que te chamamos para dar uma olhadela na conversa.

 

Em tempo: sem a camaradagem do meu amigo André Felipe, esta entrevista só aconteceria em outro tempo, por outros assuntos.

 

 

 

– Ouvindo “Tribunal de Feicibuqui” hoje, nem parece que ele já tem 8 anos. Você acha que antecipou essa dinâmica das redes neste disco?

Talvez tenha antecipado. Mas veja que eu estava com Emicida, Marcelo Segreto, Marcos Ferraz, Tatá Aeroplano e Tim Bernardes. E com a capa de Mallu Magalhães.

 

 

– Houve algum motivo especial pra esse disco demorar tanto pra chegar às plataformas de streaming?

Ele está chegando ao streaming graças ao socorro clínico de Marcus Preto e de Guto Ruocco, da Circus.

 

 

– Você tem uma dinâmica toda própria para trabalhar, colaborar e lançar seus discos. Como ela funciona o seu processo criativo?

Tenho a maior inveja do cara que chega em casa às 5h da tarde, dá uma respirada, toma um uísque e faz uma canção que o povo vai cantar o ano todo. Já, eu, para obter cada canção, trabalho duro. Faço e refaço. Quem me ajuda muito nesse processo é Neusa, minha mulher. Colaboro com essa ajuda pela minha disposição de rasgar o que já tinha e começar de novo.

 

 

– “Tribunal…” tem uma admirável interação tua com artistas jovens, como Emicida, O Terno…Como é ser ainda jovem pra você? Qual o seu segredo?

Um verso meu diz assim: “Eu sofro de juventude, Essa coisa maldita, Que quando está quase pronta, Desmorona e se frita.” Parece que eu tenho mesmo um pouco dessa “doença”. Deus a abençoe.

 

 

– Olhando para os seus discos, houve uma grande redescoberta da sua obra pelas mãos do David Byrne, certo? Foi um processo muito parecido com o que ele também fez pelo legado dos Mutantes. Você lembra de como essa aproximação entre vocês se deu?

Foi publicada recentemente uma biografia italiana de Pietro Scaramuzzo, “Tom Zé – O Último Tropicalista”. Já saiu também no Brasil, pelo Sesc, tradução de Silvana Cobucci, trabalho editorial de Thiago Lins. Essa biografia tem prefácio de David Byrne, conta com ensaio crítico atilado de Luís Tatit , e contracapa de Rita Lee, Arnaldo Antunes e Emicida. Vá à livraria e dê em cima!

No caso de David Byrne, eu tinha feito um disco, “Estudando o Samba”, e comecei a achar que era muito bom. Aí fiquei um pouco triste pensando: é capaz de ninguém dar a mínima. Resolvi fazer uma capa-armadilha, como quem joga uma garrafa no Oceano Pacífico. Fui salvo justamente por essa garrafa. David Byrne estava no Rio, olhando a prateleira de uma loja de discos e viu uma capa com corda e arame farpado no rodapé. Não tinha foto; em cima, apenas o título: “Estudando o Samba”. Ele conta que pensou : “Que diabo é que samba tem a ver com corda e arame farpado?” Pois é, comprou o disco.

 

– Outra pessoa com quem você trabalhou foi o Sean O’Hagan, dos High Llamas, grupo irlandês de pop sofisticado. Como é a repercussão da sua obra no exterior?

Bom, quando eu lancei “Fabrication Defect” foram feitas algumas remixagens lá nos Estados Unidos. Por exemplo, por John McIntire, do Tortoise, Sean Lennon e o Sean O’Hagan do High Llamas, como você perguntou. Se não fosse a boa repercussão que vigora no exterior, eu estaria num aperto.

 

– Em entrevista ao site amigo Música Pavê, você disse que “não tinha tempo para ser um PANDEMISTA”. Explica mais sobre isso?

Quero dizer que absolutamente não torço pela pandemia. Jamais! A luta principal do País agora é pela vacina!

 

– Pro ouvinte novo, que quer se aventurar pela sua obra, qual disco você indica pra ele?

Todos os discos que fiz são uma aventura, é o espírito deles. Quem sabe, a pessoa possa começar como David Byrne, com “Estudando o Samba”. Ou, para quem não gosta de imitar americanos, começar por “Imprensa Cantada’, que é bem divertido.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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