Thee Marloes – o trio de soul que fala javanês

 

 

 

 

Thee Marloes – Perak
38′, 12 faixas
(Big Crown)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

Você conhece a cidade de Surabaya? É a capital da província de Java e a segunda maior cidade da Indonésia, perdendo apenas para a capital, Jacarta. E se eu te disser que vem de lá um dos grandes momentos da música pop deste ano de 2024? O primeiro álbum do trio Thee Marloes, “Perak”, é praticamente perfeito e comprova o alcance global da boa música, no caso, da soul music americana. Se engana, porém, quem pensa que a música do Thee Marloes é revisionista ou nostálgica, pelo contrário. Ela é moderníssima e vibrante, sem, no entanto, perder de vista suas referências e isso vai de encontro à tendência reinante do “vintage soul”. É certo que as doze faixas do álbum trazem influências generosas e nada escondidas de ótimos momentos do soul/funk ao longo das décadas de 1970, mas há espaço, por exemplo, para a influnêcia de artistas ingleses do início dos anos 1980, do tal “sophistipop”, que abarcava, entre outras tendências, a new bossa e o funk de gente como Sade ou Style Council. E, claro, também há espaços para a música local, fazendo de “Perak” um elemento raríssimo a ser conferido.

 

Thee Marloes é formado por Natassya Sianturi nos vocais e teclados, Tommy Satwick na bateria, e Sinatrya (“Raka”) Dharaka na guitarra e produção. Seu som possui o apelo universal da soul music, mas também cisca no terreiro do jazz e do pop, mas com uma abordagem distinta por conta da influência da cultura local. A primeira canção a ser lançada como single foi “Midnight Hotline”, o lado A de seu primeiro single pela prestigiosa gravadora americana Big Crown. A banda já colocava pra jogo suas habilidades numa canção cheia de energia com um refrão contagiante, piano vibrante e licks de guitarra jazzísticos. A voz de Nastassya já paira com leveza sobre a cama musical formada pela banda e temos uma influência forte das canções do primeiro álbum de Sade, “Diamond Life”. A outra canção do single, o “lado B”, foi “Beri Cinta Waktu” (quer dizer “Dê Tempo Ao Amor”) tem todos os elementos de uma balada soul clássica recriada nos dias de hoje, mesmo com as letra em indonésio. Independentemente da barreira linguística, o sentimento é palpável, algo absolutamente necessário na soul music.

 

O restante das canções de “Perak” encaixa perfeitamente entre esses dois extremos de energia e idioma. “I Know”, que abre o álbum, é um colosso em midtempo, cheio de influências, cadências e talhe clássico setentista, com um ótimo trabalho de baixo elétrico e vocais de apoio. A letra fala sobre expor um caso amoroso e acabar com um relacionamento que está se sustentando nas aparências. “Not Today” tem um arranjo luxuoso cheio de pianos, com guitarras dedilhadas que abre espaço generoso para Nastassya mostrar novamente que é uma baita cantora de soul. A letra fala sobre dar tempo ao tempo, aproveitar as pequenas coisas e viver sem o chicote do relógio que corre cada vez mais rápido. A ótima “Mungkin Saja” volta ao indonésio e traz um arranjo que tem um ritmo quebrado, que lembra algo que The Jacksons poderia ter gravado no fim dos anos 1970 pelo selo Philadelphia International. “True Love” mostra o quanto Thee Marloes tem apreço pela linguagem do jazz e como ela se mescla à da soul music em alguns momentos. É uma balada estranha, não-triste, intrigante e com um belo andamento de bateria e guitarras dedilhadas. Em “Over” a banda mostra que é muito boa de arranjo, com detalhes tão pequenos espalhados pela paisagem sonora, como metais, cordas, vozes que se sobrepõem.

 

“Perak” é um disco incrivelmente diversificado, tanto na composição musical quanto nas letras. Embora a maioria das canções do álbum gire em torno do amor e relacionamentos, elas são entregues de múltiplas formas; indo desde desgosto e amargura até felicidade e paixão. A mistura de faixas em inglês e indonésio neste disco, juntamente com a atmosfera sempre mutante entre as canções, ajuda a impedir que ele se torne monótono ou repetitivo.

 

 

Seguimos sem conhecer a vida e as pessoas em Surabaya, Java, mas, se há gente fazendo música desse jeito por lá, imediatamente a curiosidade bate. Um discaço. Não perca.

 

Ouça primeiro: tudo.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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