Elvis Costello volta ao melhor da forma em novo álbum

 

 

 

Elvis Costello And The Imposters – The Boy Named If

Gênero: Rock

Duração: 52 min
Faixas: 13
Produção: Sebastian Krys, Elvis Costello
Gravadora: EMI/Capitol

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Elvis Costello teve uma década de 2010 curiosa. Em 2013 lançou um disco em parceria com o grupo americano de rap The Roots e, depois disso, ficou cinco anos em silêncio. Ressurgiu em 2018 com um trabalho interessante, que trazia três parcerias com Burt Bacharach (com quem ele havia trabalhado em 1998) e uma colaboração inédita com Carole King, ‘Burnt Sugar Is So Bitter”, também datada de mais de 20 anos. Quando pensávamos que Costello reviveria este espírito colaborativo numa musicalidade mais polida, ele lançou “Hey Clockface” em 2020, um de seus discos “esquisitos”, com rocks tortos, eletrônica estranha e umas baladas folk meio fora de lugar. Ou seja, a gente ficou sem qualquer noção do que poderíamos esperar desse “The Boy Named If”, que ele soltou agora, acompanhado de sua banda Imposters, com quem tem dividido trabalhos nos últimos tempos. Pois bem: este novo álbum recupera o melhor do equilíbrio costelleano, a saber, o rock saltitante, as melodias belas, o canto apaixonado e, o melhor de tudo, um formato mais linear de arranjo, muito rock, um tanto northern soul, outro tanto r&b clássico. Nada de muita modernidade, apenas o feijão com arroz temperado com perfeição, encorpado por belas canções, as melhores que EC grava em muito tempo.

 

Elvis esteve inquieto na pandemia. Além de “Hey Clockface”, que ele registrou na Finlândia, ele pilotou um projeto interessante, chamado “Spanish Model”, no qual as canções de seu seminal álbum, “This Year’s Model”, recebeu intepretações em espanhol de vários artistas. Agora chega “Boy Named If”, que mostra um foco que Costello não exibia desde os anos 1980, quando forjou seu nome em meio ao punk mais esclarecido a emergir da Inglaterra naquele início de década. A sonoridade é maravilhosa, as canções são pequenas joias e os vocais entregam sentimento, raiva e desorientação com o mundo envolto pelo véu da dúvida e do escárnio pandêmico. É um trabalho em que as canções dão o ponto exato das interpretações, tudo muito bem amarrado e pensado no estúdio. Na verdade, é como se o Elvis Costello de “This Year’s Model” se misturasse com o de “Spike” e de “Punch The Clock”, mas com a sabedoria que só poderia ter em 2022. É uma síntese poderosa de várias fases e facetas de Elvis, todas unidas sob estas influências mais evidentes. Ou seja, é um discaço.

 

As canções não dão descanso ao ouvinte. Costello e os Imposters vêm em ritmo alucinante e investem firmes no rockão nervoso e rápido. Já em “Farewell, OK”, que abre os trabalhos, uma levada aerodinâmica, propulsionada por bateria, baixo, guitarras pulsantes e teclados psicodélicos colocam o ouvinte numa montanha russa de emoção e exorcismo de várias instâncias de amores mal resolvidos, raiva, rancor e perplexidade. Outra canção, “The Difference”, já vai num ritmo mais lento, mas igualmente pop/rock, com refrão maravilhoso, pianinho em progressão de acordes e um arranjo que evoca o melhor que Costello sempre fez. Tem baladas e elas são dilaceradas, mostrando que o homem também é um mestre neste ofício. “Paint The Red Rose Blue” é um pequeno colosso de melodia, tristeza e desilusão sobre o inevitável fim do amor e da terrível ressaca emocional que acomete o probre ex-amante quando tudo é encerrado. Em outra, ao violão, “Mr.Crescent”, Costello exercita uma veia mais trovadora e folk, com um vocal delicado e devocional, numa amostra de vulnerabilidade que ele sempre dá em seus álbuns, igualando sua persona compositora com os gigantes do gênero, como seu parceiro pregresso, Paul McCartney. Lindeza.

 

Mas talvez a canção mais impressionante aqui seja “Mistook Me For A Friend”, que é descendente direta do melhor de Elvis nos anos 1980 e ainda tem orgãozinho de parque de diversões, arranjo de northern soul, baixão pulsante e um refrão sensacional, que repete o título, aquelas confusões amorosas que nos sentenciam a ser amigo de quem a gente apenas ama. Quem viveu, sabe que Costello é mestre nesses mal-entendidos do amor. Ele ainda arremata o nível do álbum com duas maravilhas: “Magnificent Hurt”, que é um rockão clássico, psicodélico e vertiginoso, e a bela, sensacional “The Death Of Magical Thinking”, que mescla uma levada angulosa e estranha com bateria nervosa. Sobre a letra, Costello declarou ao The Guardian: “A canção é sobre o terror de deixar a infância, quando as maravilhosas invenções de sua imaginação se deparam com coisas como a álgebra. O escritor dos Sopranos, David Chase, me deu o título quando o conheci em uma ceia há 11 anos. Eu disse a ele que meus filhos tinham começado a escola e ele disse: ‘Escola. A morte do pensamento mágico. Eu sabia exatamente o que ele queria dizer”.

 

“The Boy Named If” é o melhor disco de Costello desde sua colaboração com Burt Bacharach, “Painted From Memory” e pode pleitear um lugar entre seus mais brilhantes trabalhos. A esta altura do campeonato, isso é ouro puro.

 

Ouça primeiro: “Mr Crescent”, “The Death Of Magic Thinking”, “Paint The Red Rose Blue”, “Magnificent Hurt”, “Farewell OK”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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