Greg Dulli – Random Desire
Gênero: Rock alternativo
Duração: 36 min.
Faixas: 10
Produção: Greg Dulli
Gravadora: BMG
Pra quem não lembra dos anos 1990, Greg Dulli é o vocalista da sensacional banda Afghan Whigs, originária da improvável Cincinatti, no estado de Ohio. O grupo teve seus dias de glória entre os lançamentos dos discos “Congregation” e “1965”, passando por seus melhores trabalhos, “Gentlemen” e “Black Love”, tudo num intervalo de tempo entre 1992 e 1998. Depois disso, Dulli passou por vários projetos, como The Twilight Singers e The Gutter Twins, este último, com o ex-Screaming Trees, Mark Lanegan, até reativar os Afghan Whigs em 2010 e mantê-lo mais ou menos ativo até hoje. Não é de estranhar que Dulli venha com um disco solo depois de tanto tempo e tanta banda. Sua presença sempre foi forte o suficiente para destacá-lo em meio à onda de gente boa que o rock alternativo americano revelou há quase trinta anos. Se os Whigs tinha como fator principal de distinção a mistura de tinturas blues e soul aos cavalos de batalha grunge da época, dá pra responsabilizar Greg Dulli por esta sacada e se permitir esperar boas coisas desta empreitada solo chamada “Random Desire”.
Se analisado como um álbum dos AW, “Random…” é mais lento, mais intenso e mais dilacerado. Claro, a ideia é exatamente essa, com Dulli assumindo a linha de frente vocal e musical, tocando vários instrumentos e recebendo poucos convidados para formatar o produto final. A maioria das canções é, como não poderia deixar de ser, sombria e peculiar. Sua voz está em lenta decomposição pelo passar do ano, o que acrescenta mais profundidade e clima às canções, que ostentam arranjos variáveis. Tem rock, tem balada, tem claustrofobia, paranoia, tudo o que faz o mundinho de Dulli soar tão interessante e curioso. Tal qual uma variação de seu camarada, Mark Lanegan, mas sem o mesmo fraco pela experimentação que ele, Dulli tem seus terrenos conhecidos e se vale disso para mostrar o que tem de melhor.
“Pantomima”, a canção de abertura, poderia estar num disco da retomada de carreira do AW, tem guitarras maníacas e andamento que poderia ser de uma velha canção r&b, mas devidamente repaginada para o submundo de 2020, contaminada pela angústia e pelo desespero. É eficaz e ambienta o ouvinte neófito, além de causar formosura em quem já conhece as manhas de Greg. Lá para a quarta faixa, temos a certeza de que estamos onde estamos, com “The Tide”, uma lindeza que poderia ser, vejamos, do Buffalo Tom, outra banda noventista que voltou nos anos 2000/10 exibindo seus principais predicados intactos. O clima é de explosão nos vocais, guitarras em crescendo e muitos “I’ll fade away” e “You’ll never find” nos vocais, uma lindeza para quem gosta desse tipo de coisa. A voz de Greg faz bonito especialmente aqui. Quando você pensa que está ciente do que o disco mostra, “Scorpio”, uma balada pop ao piano, com guitarras psicodélicas e vocais dobrados, se impõe sobre o silêncio e traz surpresa.
“It Falls Apart” é outra canção que poderia estar num disco recente dos Afghan Whigs, ainda que tenha uma levada de piano pouco comum, seu clima obsessivo e lúgubre, com raios de teclados e ótimo trabalho de guitarras, a credenciem para espectros mais amplos. O tom de paranoia é latente e o ouvinte percebe que a explosão virá em poucos instantes, mas o grande lance é jamais deixar isso acontecer. “A Ghost” é outra canção com vocais dobrados e andamento com violões acústicos, enquanto “Lockless” tem bateria eletrônica que introduz teclados, num clima meio “Streets Of Philadelphia”, mas sem o otimismo e olhar para cima que o original de Bruce Springsteen ostenta. “Black Moon” tem cordas sintetizadas que fazem um efeito peculiar e muito legal, enquanto Dulli novamente tem ótima performance vocal, dando espaço para a última canção do disco, “Slow Pan”, uma faixa lenta, pianística, psicodélica e bela.
Greg Dulli demorou quase 30 anos para lançar um disco solo. Segue como um artista para poucos e bons ouvintes, mas exibe uma versatilidade que só os mais atentos perceberão. Este trabalho mostra várias facetas conhecidas do sujeito, mas exibe alguns detalhes que ele ainda guardava para si. Um disco revelador, intenso e muito bonito.
Ouça primeiro: “The Tide”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.