Eduardo e Mônica – O Veredito
Quem está na faixa de 40 a 50 anos conheceu “Eduardo e Mônica” ouvindo rádio e, a partir daí, comprando um exemplar de “Dois”, da Legião Urbana, em LP. Quem veio depois não passou incólume à canção que foi escrita por um Renato Russo cronista do cotidiano, então vivendo sua pele de Trovador Solitário numa Brasília do início dos anos 1980, ainda sob resquícios da ditadura militar. É difícil – ainda que possível – encontrar alguém que se interesse por música pop que não conheça ou já tenha ouvido a história do casal improvável narrada por Russo, uma moça que estuda e se forma em Medicina, que se apaixona por um rapaz mais jovem, que, a partir do relacionamento, amadurece e encontra meios para viabilizar a relação entre ambos. Ainda que pareça fácil lidar com uma história que muita gente conhece, é um desafio imenso transpor tais fatos para a telona, amarrá-los num roteiro convincente e, mais que isso, encontrar atores que consigam encarnar estas personagens com desenvoltura. Em meio a tantas questões e exigências, “Eduardo e Mônica”, dirigido por Rene Sampaio, que também adaptou para o cinema outra canção de Russo, “Faroeste Caboclo”, em 2013, chega à telona com grande expectativa.
Se compararmos os filmes, pura e simplesmente, “Faroeste…” se sai melhor que “Eduardo e Mônica” e a razão é bem simples: o roteiro. Renato também deu uma mãozinha para os escritores, formando personagens com mais cores na quilométrica canção, também da fase do Trovador Solitário, lançada em disco em 1987. Em “Eduardo e Mônica”, só era possível saber, além das características dos dois, que eles viviam na mesma Brasília do início dos anos 1980 e mais nada. E aí reside o problema. Para caracterizar Eduardo, vivido competentemente por Gabriel Leone, a tarefa não era tão árdua. Construir um moleque de 16 anos, boa praça, de bom coração, vivendo com seu avô uma vidinha de classe média normal não é algo do outro mundo. Quem não conhece ou conheceu um “Eduardo”? Pois bem. Aqui o roteiro (feito a dez mãos por Gabriel Bortolini, Jessica Candal, Michele Frantz, Claudia Souto e Matheus Souza) constrói o personagem com competência e Leone, que é bom ator, tira de letra. O problema gravíssimo está na Mônica que foi dada para Alice Braga interpretar. Problemática, difícil, estranha e “madura”, a versão da menina do filme é chata e banal. As questões familiares que o roteiro lhe impõem são rasas e genéricas e Alice, que é uma atriz carismática mas apenas regular, não consegue dar uma dimensão humana à Mônica, deixando-a estereotipada e forçada.
O problema maior está no que é mágico na canção. A letra de Russo nos apresenta um amor impossível, ou melhor, improvável, no qual duas pessoas sem características em comum e com uma diferença razoável de idade, se apaixonam e decidem viver juntas, apesar de todas as dificuldades que encontrarem. O filme pula essa parte, deixando o espectador tentando entender como aquelas duas pessoas podem se apaixonar, mesmo vivendo vidas tão distintas e distantes. Pois bem, a gente coloca na conta da magia da canção, mas o roteiro novamente não ajuda, mostrando que Eduardo é muito mais ponderado, centrado e maduro do que a Mônica, a despeito da carga maior de conhecimento que ela traz, que acaba se diluindo em citações e easter eggs primários, deixados para fãs nível Show do Milhão darem conta.
A direção de Rene Sampaio até que é correta. Ele usa bem algumas sequências, mas poderia ter aproveitado muito mais os cenários brasilienses, além de ter inserido o casal numa turma de amigos em comum, algo que parece insinuado pela letra da canção de Russo. E nessa brecha entra uma surpresa do elenco: Vitor Lamoglia, humorista de ofício, vive Inácio, o amigo de Eduardo e se sai muito bem como alívio cômico, com algumas tiradas bem feitas e uma bela cena em que ele e Eduardo estão num ônibus, mais para o fim do filme. Há outros dois ótimos atores no elenco, Otávio Augusto, subaproveitado como o avô de Eduardo e Juliana Carneiro da Cunha, quase ignorada como mãe de Mônica
Falta profundidade, falta veracidade, falta fidelidade ao espírito da canção, que, repito, é algo complexo de ser feito, mas que merecia um resultado melhor. Como filme, “Eduardo e Mônica” segue sendo uma das grandes canções da Legião Urbana. Pena.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Todas as críticas que li elogiaram o filme. Ponto.