Dupla revisita o pop setentista em todo o seu esplendor

 

 

 

 

The Lemon Twigs – Everything Harmony
48′, 13 faixas
(Captured Tracks)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Existem vários clichês no jornalismo musical para nos referirmos ao novo álbum da dupla The Lemon Twigs, “Everything Harmony”. O melhor deles – e o mais eficaz – seria categorizá-lo como uma viagem no tempo, ou mesmo um exercício de estilo. Explico-me: as treze faixas que compõem o novo disco da dupla de Long Island, Nova York, parecem – e se orgulham de – soar como se fossem compostas em, digamos, 1971, por um artista de rock ou pop. Pense no trio America, no grupo Bread ou mesmo em Nick Drake, Paul McCartney, Cat Stevens, Harry Nilsson, Bee Gees ou Simon And Garfunkel. A música que sai dos headphones é indistintamente “vintage”, pertencente a um outro tempo, a uma outra época, talvez destinada para a apreciação de outras pessoas. A sonoridade contida em “Everything Harmony” já nasce com esta característica de parecer e existir fora do tempo, talvez num curso alternativo de eventos em que, pleno 2023, ainda é possível ouvir este tipo de música sem causar estranheza de qualquer espécie. Bem, se pensarmos detidamente, é exatamente isso o que estamos fazendo aqui.

 

O que quero dizer é que a belezura das canções é tamanha que dá mesmo a impressão que estamos numa outra época, pelo menos enquanto as escutamos. E imagino que esta foi exatamente a intenção dos irmãos Brian e Michael D’Addario, dois nerds musicais que já estão por aí desde 2016, lançando singles, EPs e, com este belíssimo “Everything Harmony”, quatro álbuns. Conseguir essa sensação “fora do tempo” é o grande objetivo dos sujeitos, mas só agora atingiram sua meta. Cada faixa deste novo trabalho é capaz de se sustentar, não só pelos arranjos que revisitam as sonoridades que mencionamos acima como por qualidade própria, ou seja, os D’Addario são compositores respeitáveis, têm a manha para brincar de máquina do tempo musical e resistir a eventuais julgamentos estéticos. Não tem um momento fraco no álbum, tudo é legítimo e muito bem feito.

 

Sempre que faço alguma resenha de álbum, separo algumas faixas que considero destacadas para escrever sobre elas. A proporção de canções sensacionais em “Everything Harmony” é altíssima: das treze faixas, separei dez. Todas elas têm detalhes maravilhosos nos arranjos, citações e influências exibidas e muito bem administradas, é tudo muito bem pensado e belo. De todas elas, apenas “What You Were Doing” não parece uma canção dos anos 1970, mas lembra, sim, uma revisão noventista de uma. O arranjo e a dinâmica são emprestados dos primeiros álbuns do Teenage Fanclub, com vocais harmonizados, melodia cristalina e doçura arremessados contra guitarras mais pesadinhas. O resto é pura lindeza barroca setentista. “What Happens To A Heart” é meio Beatles, meio Harry Nilsson, com linha melódica lindinha e explosão de orquesta e sentimento no refrão. Falando em Nilsson, “In My Head” é uma belezura que parece saída de sua lavra, só que turbinada com uma leveza pop que o trovador americano não chegou a exibir completamente em seus melhores tempos.

 

 

“Corner Of My Eye” e “New To Me” têm pinta de canções lentinhas que os Beach Boys poderiam ter gravado em discos como “Sunflower” ou “Friends”, imersas em toques de psicodelia leve e arranjos que poderiam estar em filmes antigos da Disney. “Born To Be Lonely”, com uma das melodias mais tristes e belas do álbum, lembra Paul McCartney em toda a sua lindeza, enquanto “Still It’s Not Enough” tem fraseados pop-progressivos que se fazem ouvir no belo arranjo que privilegia vocais e violões. “When Winter Comes Around”, a canção que abre o álbum, tem esta aura tristonha, que é corroborada pela letra em meio a violões que vão se sumindo diante da entrada de vários instrumentos. “Any Time Of The Day” poderia estar facilmente num álbum dos Bee Gees, entre 1971 e 1974, enquanto, como mistério a ser resolvido por quem a ouça, a faixa-título tem um arranjo que poderia ser inserido no … “Clube da Esquina”. O andamento da melodia, os vocais e a percussão, tudo parece muito próximo daquela versão mineira de Beatles e pop da época.

 

“Everything Harmony” é um disco belíssimo e que escapa lindamente da cópia, mesmo que muito bem feita. Ele pertence a uma linhagem raríssima e com poucos representantes, de trabalhos fora do tempo, misteriosos e com uma aura que evoca várias emoções. Deve ser ouvido com muito carinho, visto que é um artefato que não se vale de qualquer truque moderno para soar “in” ou “cool”. Não perca.

 

Ouça primeiro: o disco todo

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *