Dingo Bells virou suco
…. Um dia todo mundo vai mudar…, podemos ter certeza, seja por necessidade ou por esperteza, a mudança a única permanência. Isso aqui até poderia ter um texto de auto-ajuda diante das Maravilhas da Vida Moderna, já que tá Tudo Trocado mesmo. Mas, lamento dizer, não é. É a vez da Dingo Bells virar suco. Os gaúchos tem dois discos, mas nem por isso essa espremida vai ser mais de boas, mas vai ser gostosa podendo render uma limonada ou caipirinha.
A Dingo faz um pop rock alternativo e tá na estrada há um tempo. E é dos tempos das festas que rolavam no campus da UFRGS, que conheci a banda. E por falar nisso, no videoclipe de Dinossauros, aparecem imagens do prédio do Observatório Astronômico da UFRGS. E já fica aí primeira escolha para este suco.
Sabe aquela música que te questiona sobre o que estamos fazendo nesta linha de produção? Qual nosso papel diante de tudo isso que nos cerca? Vem meteoro! “É talvez, a sua imaginação, esteja tão limitada por problemas reais” essa é a frase que me arrepia até hoje, isso que Dinossauros, quarta faixa do primeiro álbum cheio “Maravilhas da vida Moderna” de 2015. Nesta música o Rodrigo Fischmann (vocal e batera) dá lugar pra Diogo Brochmann (guitarra e voz) interpretar essa letra que, sério, vocês devem parar, ouvir, parar e ouvir e seguir ouvindo como um mantra. Podem me cobrar caso não se emocionarem com a delicadeza e verdade dos arranjos e da letra.
“ Hoje eu extinto,
Ja’ nem lembro como era no começo
Quando sabia tudo o que me esperava
E acreditava ser alguém especial
E parecia que aquela vida era mais uma viagem
Se algum momento fomos todos dinossauros
Hoje restamos só poeira espacial
E’, talvez
A sua imaginação
Esteja tão limitada por problemas reais”
Falar sobre o cotidiano, sobre nossa experiência aqui nesse mundão caótico, sonhos, e o sentir a vida passando de forma lírica é ponto marcante da banda. Mas o forte desses caras não está somente nas letras poéticas, o som da Dingo é bem pensado, produzido e executado. Vai por mim, não é nada óbvio. Com influências que vão da música brasileira, soul, rock alternativo ao pop, o quarteto que tem o baixo (lindamente presente e suingado) de Felipe Kautz e guitarra e arranjos de Fabricio Gambogi levou para casa dois troféus do Prêmio Açorianos de Música 2015, nas categorias Composição Pop e Projeto Gráfico com o álbum de estreia.
Misterio dos 30. E quem nunca sonhou em chegar aos trinta e ser o funcionário do mês? Seria esse o místerio dos 30? Chegar em casa e dizer um querida cheguei? Foi dolorido fazer trinta, acho que pra vocês também, mas um mês depois de fazer trinta eu vi que não mudava nada, só a fatura do cartão e o peso que aumentam, o resto segue, nada novo no front.
“Não tenha medo, largue o emprego, vivendo a vista, pagando em prestação”, seria o sonho daqueles que já passaram dos 30, dizem até que nos trinta a gente acaba se aventurando, arriscando, entregando, vontade não falta.
Todo nó E é em um mar de aspirinas que tentamos desatar os nós da garganta apertados diante da maravilhas da vida moderna. Todo nó encerra o disco e traz consigo um piano esperançoso, um toque de Beatles e a realidade do gosto ruim de metal quando aperta a gravata. Na tentativa de desatar aquele laço de “que gosto tem, o que faz bem?, a faixa nos coloca nessa atmosfera da angústia dos protocolos, burocracias, compromissos e responsabilidades do ser adulto. É um nó, é todo nó, é nó na garganta de todos nós.
E eu caí em mais em mais uma ilusão da vida moderna, que disponibiliza o processador de frutas e a centrífuga de alimentos. Sim, eu vim passear e acabei me debatendo nessa escolha, achando que fácil seria escolher cinco, fácil é, o “só” que não é. Mas vamos lá, ser adulto exige isso né? Seguir e trilhar caminhos, eu poderia ser uma coach, mas fica pra outra fase da vida, quando estiver entre os anéis de saturno.
Ser Incapaz de Ouvir é uma faixa diferente, é a Dingo mais adulta, mais estranha, mais realista talvez. O baixo do Felipe dá um tom de urgência, de necessidade e a letra acompanha essa urgencia que tá dentro de ser incapaz de ouvir. Falar é mais urgente que ouvir, isso é o triste real, a minha voz é mais importante que a tua, o “eu” tem mais mérito que o “outro”.
Em que momento
Não percebemos surgir
Um ser-humano
Tão incapaz de ouvir
Nem mastiga e diz que está alimentado
Fala e mata a fome de ser escutado
Seu problema é não sentir-se satisfeito
Mesmo devorando o mundo desse jeito
Ser incapaz de ouvir é a segunda música do álbum “Todo mundo vai mudar”, de 2018. É um álbum diferente do antecessor, e o diferente aqui é no melhor sentido, não é aquele “diferente” que a gente solta quando não temos opinião definida ou quando é indiferente. Todo mundo vai mudar, ou não, é um disco que conta com mais metais, pianos e uma ambiência setentista, acho. É um disco cuidadoso, detalhista, com poesia incomum e minúcias em cada arranjo.
E eu não poderia deixar de citar a contagiante “Sinta-se em casa”. A faixa é um grande convite à mudança. É um aceno à vida que não esteja dormente, repetitiva, um “oi” às vontades que empurramos para o escuro das gavetas, aos detalhes que já não enxergamos nos quadros. A faixa também ganhou um vídeo ótimo que amplifica o significado da letra.
“Detalhes desse apartamento
Caídos no esquecimento
Começam a perder sentido
É hora de mudar
A casa se encheu de gente
De um sentimento diferente
Enquanto espero outros convidados
Penduro quadros, corto a grama
Lavo os pratos, faço a cama
Faço a janta, ponho a mesa
Ligo o rádio e digo
Sinta
Sinta-se em casa
Se a verdade dói
Dançamos em brasa”
Vou na ousadia e alegria indicar uma “faixa bônus” aqui, não é para ser subversiva não, é para mostrar uma versão apropriada para esses tempos. “Sinta-se em casa” ganhou letra, roupagem acústica e vídeo feito respeitando o distanciamento social imposto. Ah, eu preciso deixar essa letra aqui.
Cansado de viver dormente
Sem sono em uma cama quente
Eu pego a mão de quem andou ausente
E lavo bem, esfrego, torço, molho, enxáguo e viro
Enquanto alguns já fazem planos
De hoje até o fim do ano
Fica esperto pra não ter engano
Mande um abraço no seu prédio
Vença o tédio e diga
Fica em casa
Se a saudade dói
Faz video chamada
Cansado de viver dormente
Sem sono em uma cama quente
Eu pego a mão de quem andou ausente
E faço a janta, ponho a mesa, ligo rádio, assisto série, peço tele, faço yoga só de meia e digo
Fica em casa
Se a saudade dói
Faz video chamada
Fica em casa
Manda um alô pro boy
Dançando na sala
Só fica em casa
Fica em casa.
A Dingo entra fácil para uma playlist “refletindo sobre a vida e cantando esse caos”. Ouça, cante e dance Dingo Bells, em casa. E assim que acabar esse distanciamento, vá assistir eles ao vivo, é sensacional também.

Ariana de Oliveira é canhota de esquerda, Cientista Social, estudante de Jornalismo e comunicadora da Rádio Univates FM. Sobre preferências: vai dos clássicos aos alternativos.