Chrissie Hynde – Valve Bone Woe

 

Gênero: Pop, jazz
Duração: 66 min
Faixas: 14
Produção: Marius de Vries, Eldad Guetta
Gravadora: BMG

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

Muita gente chama este novo – e ótimo – disco de Chrissie Hynde de um “álbum de jazz”. Não é uma definição completa, me parece mais que “Valve Bone Woe” é um “disco de covers”, com uma “alma jazz”. Explico. O jazz é algo que sugere movimento, atenção e mudança. Há uma parcela grande do público que pensa o estilo como algo “velho”. Por isso, seria “um demérito” ou algo “estranho” uma vocalista de rock gravar um álbum assim. Por outro lado, o jazz foi escanteado pelo rock quando este surgiu e assumiu o posto de ritmo da juventude ocidental. Daí essa confusão sobre quem é mais jovem e moderno. Chrissie dribla essa questão com malandragem e talento. Senão vejamos.

 

A vocalista dos Pretenders nunca foi acomodada. Gravar um álbum de covers, especialmente de canções compostas há muito tempo, deveria nos fazer supor a existência de alguns coelhos na cartola. E há vários. Chrissie escolheu um repertório luminoso, que cobre compositores como Brian Wilson e Tom Jobim, passando por John Coltrane e Ray Davies, com espaço para Nick Drake e a dupla Hammerstein/Rodgers. Ou seja, encapsulou o melhor da canção popular do século 20 e se deu ao luxo de modificar e criar arranjos que mostram frescor e conhecimento de causa. A seu lado, pilotando as ações no estúdio, Marius de Vries e Eldad Guetta, que arregimentaram vários músicos para criar este Valve Bone Woe Ensemble, especialmente para a ocasião. O resultado é belíssimo na maioria das vezes.

 

Só a versão dub’n’jazz para “Caroline No”, clássico dos Beach Boys, já vale a sua atenção imediata. O que poderia ser uma profanação de uma obra primordial da música popular se torna um movimento ousado e cheio de inteligência. “Once I Loved”, versão em inglês de “O Amor em Paz”, celebrada por Tom Jobim no boom da Bossa Nova, se tornou um standard na voz de Astrud Gilberto, depois de Frank Sinatra. Chrissie revela aqui seus dotes vocais em ambiente mais singelo e plácido, com uma interpretação que não deixa nada a dever às cantoras de jazz atuais, tipo Diana Krall e similares. O arranjo ajuda com esplendor pianístico e de cordas. Sinatra é uma espécie de guia espiritual nas canções mais coladas ao tal American Great Songbook, como, por exemplo, “Hello Young Lovers” e “Wild Is The Wind”, que surgem belas e sólidas.

 

Mas é no inesperado que Chrissie brilha. “River Man”, de Nick Drake”, surge mais enigmática do que triste, com cordas, flautas e pianos em estado de graça, adornando a melodia elíptica original, coisa muito bonita. “Naima”, original de John Coltrane, surge como introspecção instrumental bem vinda e abre espaço para o grande momento criativo – ao lado de “Caroline No” – a reconstrução de “No Return”, dos Kinks, em arranjo tropicalista surpreendente, enfatizando a melodia popíssima e abrindo espaço para revelar nuances que o original de 1967 jamais imaginaria. Momento sublime.

 

“Valve Bone Woe” é um disco criativo, muito mais do que trabalhos que são 100% originais. Chrissie mostra que tem talento multidisciplinar e está acima de rótulos. Uma surpresa e um deleite para os ouvidos.

 

Ouça primeiro: “No Return”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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