Azymuth no Campo de São Bento

 

 

Imagine-se passeando num dos espaços mais tradicionais de Niterói e, de um minuto para o outro, ouvir os acordes e melodias de uma das mais importantes bandas brasileiras de todos os tempos. Tal categorização está longe do exagero quando se trata do trio Azymuth, formado por Alex Malheiros (baixo), Ivan Conti (bateria) e Kiko Continentino (teclados e vocais). E foi exatamente esta sensação que os visitantes do Campo de São Bento experimentaram quando por lá passavam na noite de 10 de dezembro, a partir das 20:30h. O trio, ali, diante do público, sem firula ou qualquer produção que pudesse distrair. Como parte da programação natalina da cidade, a Prefeitura de Niterói programou uma série de eventos, especialmente apresentações ao vivo, que irão culminar com a presença dos Paralamas do Sucesso na festa de Reveillon na Praia de Icaraí.

 

Até lá, o niteroiense terá a chance de esbarrar em vários shows gratuitos e ao ar livre, como esta apresentação do Azymuth no Campo de São Bento. Numa noite em que também se apresentou o Coral Elas Por Elas, de Barbacena, Minas Gerais, com uma seleção de canções brasileiras com temática de fim de ano e Natal, o trio carioca mostrou porque é uma das formações mais importantes da música nacional desde que iniciou suas atividades em 1968, debutando em disco em 1973, acompanhando Marcos Valle no álbum “O Fabuloso Fittipaldi”. É verdade que Malheiros, Conti e o falecido arranjador, vocalista e tecladista José Roberto Bertrami já haviam tocado em várias gravações de artistas nacionais, como Erasmo Carlos e Raul Seixas, para citar apenas dois, mas a mágica sonora do Azymuth já existia como uma música à parte. Partindo do samba jazz, o grupo expandiu fronteiras para o rock e o funk, incorporando o fusion, gerando uma mistura antenadíssima para a época.

 

Nos anos 1970, o Azymuth chegou a ter hits, como “Linha do Horizonte”, que figurou na novela global “Cuca Legal” e as instrumentais “Voo Sobre O Horizonte”, “Jazz Carnival” e “Partido Alto”, elevando os álbuns “Águia Não Come Mosca” (1977) e “Light As A Feather” (1979) à categoria de clássicos da música instrumental mundial. A partir dos anos 1980, o grupo perdeu força e relevância, meio sem achar um lugar no meio da onda do megapop mundial, mas a redescoberta de suas canções e discos nos anos 1990 pela cena dos clubes londrinos por DJs aficionados por funk e jazz, fez o Azymuth renascer e se tornar um dos maiores expoentes da gravadora britânica Far Out. A partir daí, a carreira do trio ganhou força inédita e os sujeitos se viram no centro de festivais e turnês mundiais.

 

Com a morte de Bertrami em 2012, o grupo entrou num curto hiato até 2015, quando Kiko Continentino assumiu seu posto e o Azymuth lançou o ótimo disco “Fênix” em 2016, dando novo fôlego para sua carreira. Pois foi esta banda, cheia de história e importância que estava lá, no Campo de São Bento, tocando para uma plateia de incluía fãs dedicados e passantes ocasionais. Não era raro ver senhoras, senhores, crianças de várias idades parando para prestar atenção às melodias que o trio produzia no Palco Ponte, situado de frente para o lago do Campo, onde está o chafariz.

 

Por mais de uma hora, o Azymuth entabulou o repertório mais recente de shows, colocando canções como “Club Morocco” e  “May I Have This Dance”,  a primeira, do álbum “Cascades”, de 2001 e a segunda, direto do álbum “Telecommunication”, de 1982, pontuadas por timbres futuristas do passado nos teclados, híbridas de disco music e funk jazz. Além delas, a lindeza que é “Vila Mariana” (de “Fênix”, 2016), na qual Kiko fez uma bela citação de “Ponta de Areia”, que faria Milton Nascimento se encher de orgulho. Não ficaram de fora os clássicos “Partido Alto”, “Voo Sobre O Horizonte” e “Linha do Horizonte”, que veio no bis, mas a banda não tocou justo “Jazz Carnival”, uma omissão que só pode ser perdoada e compreendida por conta do espírito natalino da empreitada.

 

Poucas cidades no mundo têm a sorte de oferecer aos seus moradores uma atração tão importante e singular como o Azymuth. A banda carioca já esteve presente em outros eventos em Niterói, mas, desta vez, diante do lago do Campo de São Bento, tocando para crianças e passantes, sua música sempre futurista ganhou um ar chapliniano, poético, mágico. Parabéns aos envolvidos. E aos presentes.

 

*Foto por Soraya Lucato

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *