As verdades em “Rede de Ódio”

 

 

Uma das mais interessantes possibilidades abertas pela Netflix é o acesso fácil a produções de países fora do eixo usual do cinema internacional. Filmes e séries belgas, coreanas, francesas, argentinas, espanholas, alemãs, claro, em ofertas diferentes, estão ao nosso alcance, algo que era apenas um sonho há até pouco tempo. Dentre estas novas/novíssimas produções, está o polonês “Rede de Ódio”, (“Hejter” em polonês e “The Hater”, em inglês), premiado como “Melhor Longa Narrativa Internacional” no Festival de Tribeca deste estranho 2020. O diretor, Jan Komasa, foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2019, por “Corpus Christi”. Aliás, o roteirista de “Rede de Ódio”, Mateusz Pacewicz, é o mesmo de “Corpus”. Ou seja, estamos com uma dupla que sabe o que faz.

 

A história de “Rede” poderia ser verídica. Ela passa intrinsecamente pela turbulência social que comanda o mundo hoje, expondo sistematicamente desigualdade, frustração, perda de direitos, preconceito e volatilidade. Tudo isso está presente na história do jovem Tomasz Giemza (vivido por Maciej Musiałowski), um estudante de Direito em Varsóvia, que é expulso da universidade por plágio. A partir daí, vamos entrando na vida dele e percebemos que Tomasz é uma pessoa estranha, solitária, sem emoções, mas que é obcecado por Gabi (Vanessa Aleksander), filha do casal Krasucka (Robert e Zofia), que custeiam a faculdade de Tomasz, sendo uma espécie de tutores dele na capital polonesa.

 

Diante da dificuldade em lidar com a rejeição de Gabi e o desprezo de sua família, Tomasz vai acumulando ódio e frustração e se vê em maus lençóis a partir da expulsão. Ele encontra espaço para atuar numa agência de publicidade, justamente em ações que visam espalhar fake news e manipular a opinião pública contra alvos determinados por clientes. Em breve ele provará ser bastante eficiente em suas atribuições, ganhando mais poder para atuar em novos casos. A dona da agência, Beata Santorska (Agata Kulesza) passa a confiar na ação do jovem, que se vê liberado para disparar boatos, criar perfis falsos em redes sociais, manipular mais e mais a opinião das pessoas, mostrando que, claramente, nada ali vai acabar bem.

 

O cenário do filme não poderia ser mais propício. A Polônia vive um de seus governos mais conservadores de todos os tempos, com o presidente Andrezej Duda no poder. É um país que repudia o acesso de imigrantes e o casamento entre pessoas de mesmo sexo – algo que Duda diz ser fruto de “ideologia estrangeira”. Na verdade, é mais um caso de nação empobrecida pela desigualdade neoliberal, atrelada à União Europeia em posição desfavorável e que enxerga nos gays, imigrantes, velhos e demais minorias, a razão desta constante queda nos padrões de vida. Enquanto isso, o governo e as empresas seguem atuando em favor dos mais fortes, desprezando os mais fracos. Esta frustração coletiva gera, entre outras consequências, personagens como o próprio Tomasz. Não por acaso, o governo polonês é apoiado por trump e bolsonaro.

 

O filme é bem dirigido e mostra um país cinzento, com gente cinzenta. É uma triste citação a um presente que chegou e ninguém antecipou. Sociedades decadentes encerram pessoas sem alma, perspectiva de coletividade e que pensam só em si mesmas. Mais que a raiva, “Rede de Ódio” é um filme sobre rejeição, mediocridade e dificuldade de aceitação. É sobre uma patologia pessoal gerando consequências sociais. Vale a pena ser visto, ainda que o final – politicamente incorreto – seja estranho ao que o filme mostra.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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