O cinquentão “Dark Side of The Moon”
Foi ontem, dia 1 de março de 2023 que “Dark Side Of The Moon”, do Pink Floyd, completou cinquenta anos de seu lançamento. Vários textos ao redor da Internet, posts apaixonados por parte de seus incontáveis fãs nas redes sociais mundo afora, ou seja, uma celebração incontestável da obra de Roger Waters, David Gilmour, Rick Wright e Nick Mason, que se traduz em (mais um) lançamento de edição comemorativa do álbum, com mais uma remasterização e vários registros ao vivo da época, mostrando a banda em turnê de divulgação. É, de fato, um acontecimento para os fãs do disco e para os amantes do rock progressivo em geral. Certo? Bem, vejamos…
Ninguém discute a importância de “Dark Side”. É um álbum fruto de seu tempo, seja em sonoridade, seja em temática. O som do Pink Floyd “de domínio público” foi forjado a partir dele. Até então, o que a banda fazia tinha outra forma ou, como pensam alguns, ainda não tinha uma forma exata. Da evolução vivida nos seis anos que separam o disco de 1973 da estreia do grupo com “The Piper At The Gates Of Dawn”, muita água passou embaixo da ponte da música pop e da sociedade. E essa água levou, entre outras coisas, Syd Barrett, o mentor intelectual do Floyd original e a sonoridade psicodélica na qual ele acreditava. Com sua saída – e entrada de outro guitarrista, David Gilmour – Roger Waters, baixista e vocalista, se tornou uma das forças criativas hegemônicas e, com o tempo, a mais importante e decisiva. Sendo assim, foi Waters o responsável direto pela carga temática que permeia as canções de “Dark Side Of The Moon”, ainda que os quatro integrantes assinem as faixas. As letras, o posicionamento político, a visão de mundo, tudo é de Waters.
Já pensou se o tio com cheiro de naftalina, que brada aos céus a importância de “Dark Side Of The Moon” hoje, soubesse o que Waters estava dizendo em 1973? Já imaginou como seria bacana uma geração de gente esclarecida tendo em mente que “Time” é sobre envelhecimento e passagem do tempo acelerada (já naquela época) nos impedindo de saber quem somos? E que “Money” não é uma glorificação à grana, mas uma crítica sobre uma sociedade que pauta sua dinâmica a partir dela? E que “Us And Them” é sobre resistir nesta sociedade tentando não ser cooptado pela opressão? Sim, porque “Dark Side” é isso: um disco contra o sistema, distópico, mais para “1984” – romance de George Orwell – do que para “Alice No País das Maravilhas”. Ele é cinzento, pessimista, subversivo, assim como “The Wall”, um tiro no coração do fascismo britânico, no sistema educacional opressor, no ressentimento dos horrores da guerra. Waters sempre foi um subversivo. Lembram dos fãs do Pink Floyd revoltados porque Roger defendeu Marielle e atacou o governo anterior em shows no Brasil? Lembra deles indo na delegacia fazer um BO contra o roqueiro inglês? Que falta faz um curso da Cultura Inglesa, não?
Ainda que “Dark Side” tenha sido muito importante para mim lá pelo fim dos anos 1980, quando o descobri, e me acompanhado até uns anos atrás, já faz tempo que não o ouço e não me interesso pelo que está nele. E digo sem medo de soar pedante: já não há nada de novo para mim em suas canções. Eu ainda admiro os arranjos e a força delas, mas não me sinto disposto a colocá-las para ouvir e me deleitar. É um disco que ficou para trás, o qual não me diz mais nada. Outro dia a esposa de David Gilmour, Polly, atacou Roger Waters nas redes sociais, dizendo que ele é um monstro por não compactuar da visão hegemônica favorável do showbiz à Ucrânia, diante do conflito com a Rússia. Até de “anti-semita” Waters foi chamado, justo por se recusar a tocar em Israel por conta de seu apoio à causa palestina. Não por acaso, a última gravação do Pink Floyd, ou melhor, de David Gilmour e Nick Mason, foi Hey “Hey Rise Up”, com participação do cantor ucraniano Andriy Khlyvnyuk, do grupo local Boombox. Não é à toa que Waters não está mais nada banda desde 1983. Um eventual Floyd com ele em pleno 2023 seria impensável.
“Dark Side” certamente tem seu valor artístico preservado neste cinquenta anos. Toda a excelência de suas canções está lá, toda a técnica revolucionária de gravação também segue presente. A genialidade das letras e arranjos também persevera no tempo. Mas, já que é do tempo que estamos falando, ele passou e levou o ineditismo do disco e de boa parte do classic rock (em breve uma lista sobre os discos que não consigo mais ouvir) a ponto de ser impossível ouvir álbuns clássicos “unânimes” como este. Quem decide o que é “unânime”? Acontece. Chega um tempo em que uma obra de arte esgota suas perspectivas e informações, até ser ressignificada e revista. Talvez precisemos de um tempo de prosperidade infinita para que “Dark Side” seja apenas um aviso então desconexo de um futuro que já passou, sei lá. Hoje, 2023, ele soa como algo que perdeu o sentido por apropriação indébita. Em termos de Pink Floyd, restaram, para mim, “Animals”, obra ainda subestimada, de 1977 e “Meddle”, a síntese do Floyd que a maioria dos tios com cheiro de naftalina não conhece tão bem assim.
Falando no disco, vocês já ouviram a versão DUB de “Dark Side”? Os tios naftalina devem detestar.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.