Ana Furtado e o Oscar 2023

 

 

 

Ontem, vocês sabem, foi a cerimônia de entrega do Oscar. Dos prêmios de cinema, certamente o “Oscar da Academia de Ciências Cinematográficas de Hollywood” segue como o mais conhecido pelo espectador leigo. Mais que Cannes, Berlim, Toronto etc. E mais que premiações híbridas, que abrangem a produção para TV, como o Globo de Ouro. O Oscar é o mínimo múltiplo comum do cinema, ou, pelo menos, costumava ser. Em termos de Brasil – e esse texto se pretende apenas como um relato de espectador brasileiro – o careca dourado perde prestígio a cada ano. A Globo, que transmitiu a cerimônia por décadas, não o fez em 2023, levando o público interessado a procurar as transmissões alternativas, indo parar na outra única opção disponível: a HBO Max/TNT. E nela estavam, além de duas repórteres no tapete vermelho – a chegada dos astros e estrelas indicados da noite – três figuras: a atriz Camila Morgado, o crítico Michel Arouca e a apresentadora/atriz, Ana Furtado.

 

 

Como eu disse, este é um texto que tem a realidade brasileira como fator determinante e nossa miséria midiática explica a presença de Ana Furtado como apresentadora central do evento. Despreparada, mal vestida, levando as falas na base de uma malandragem presumida e, acima de tudo com pouca educação no trato dos colegas, ela foi, certamente, o ponto mais baixo da noite de ontem. Dava angústia ver o quanto Camila Morgado e Michel Arouca, certamente mais informados e mais preparados, tinham a dizer, sendo cortados e interrompidos inapelavelmente por Ana. As piadas foram sem graça, o clima de camaradagem logo provou-se fake, a falsa espontaneidade, tudo isso e muito mais, transpareciam o total despreparo, que beirou o desleixo, o descaso para com o público. Mas, em termos de Brasil, as transmissões de eventos internacionais, geralmente feitas com exclusividade por um ou outro canal, se valem desta condição para impor um padrão sempre questionável, sempre relapso. Sem falar que, ora, seria bom ter alguém que entendesse de cinema para comentar as premiações, categorias, favoritos, zebras, etc. Seria.

 

 

Assim como nos eventos de música transmitidos pelo Multishow ou qualquer outro detentor de exclusividade, sacrifica-se o conhecimento presumido em favor de um “clima de humor” quase smepre fake. Daí, você dirá, a aposta em furtado era segura, afinal de contas, além de ser integrante do cast da Globo desde sempre, ela é esposa de um dos homens fortes da emissora, o criador e mantenedor do BBB, Boninho. Se ela funciona lá – e ficou muito tempo apresentando programas como o “Video Show”, por que raios haveria de não fazer sentido numa cerimônia de entrega do Oscar? Há mil razões que responderiam esta pergunta retórica, mas, não tenho disposição para elencar. Foi ruim e ponto final. Basta olha o próprio perfil da atriz no Instagram, devidamente visitado por pessoas que deixaram mensagens apontando sua falta de educação, noção e outras características expostas na transmissão. Vejam, é engraçado.

 

 

Agora, e a cerimônia, em si? Foi legal? Não. Foi chata e sem graça. Sem surpresas e com um monte de filmes que tinham pouco ou nenhum carisma e olha que, entre eles, estavam as duas maiores bilheterias do ano passado (“Avatar 2” e “Top Gun Maverick”), o novo filme de Steven Spielberg (“The Fabelmans”), uma versão alemã e sanguinolenta de um clássico do Cinema (“Nada de Novo no Front”), além de filmes independentes, como “Tar”, “Banshees de Inisherin”, “Triângulo da Tristeza”… além daquele que seria o grande vencedor da noite, “Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo”, ele mesmo um filme independente (da produtora A-24). Tá bom, mas e daí? Você consegue lembrar dos vencedores de Melhor Filme da última década? De quantos destes filmes você realmente gostou? De quantos considera clássicos?

 

 

Esta questão foi proposta ontem, no Facebook, a partir de postagens minhas durante a cerimônia. Alguém questionou a força criativa e artística de “Tudo Em Todo Lugar…” e colocou em dúvida a sua capacidade de ultrapassar o tempo. A crítica é altamente válida e serve para um monte de produções premiadas recentemente com a glória máxima. Você lembra, por exemplo, de “Quem Quer Ser Um Milionário”, premiado em 2009? De “O Artista”, de 2012? E de “Green Book”, que levou o prêmio em 2019? “A Forma da Água”(2018)? “Argo” (2013)? Tá certo, e de “CODA”, do ano passado? Nenhum desses, né? Filmes sem sal, produtos de seu tempo, de um hype desfeito já no dia seguinte à premiação. A conversa no post de ontem dizia que, desses, apenas “Parasita”, de 2020, teria pinta de sobreviver ao tempo e eu concordo, acrescentando uma outra produção: “O Discurso do Rei” (2011). E só.

 

 

Minha opinião sobre os prêmios de ontem fica prejudicada pelo fato de não ter visto vários dos filmes concorrentes, mas há um dado interessante a analisar: não consegui ultrapassar os trinta minutos iniciais de “Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo”, o que indica que o filme, ainda que tenha méritos indiscutíveis, tem problemas sérios, especialmente o excesso de informações e situações. Essa condição prolixa do filme, no entanto, parece fazer parte da “experiência”, mas, em termos “artísticos” e “intelectuais” o coloca perigosamente próximo de outro vencedor inexpressivo do Oscar em tempos recentes: “Birdman”. No fim das contas, tenho vontade – e vou conferir – “Tar” e “Banshees de Ininsherin”, duas produções que me parecem mais convencionais e que obtem brilho e mérito com silêncios e um pouco menos de cor, luz, fala e saturação. Me pareceram justos os prêmios de Melhor Ator (Brendan Frasier, por “A Baleia”) e Melhor Atriz Coadjuvante (Jamie Lee Curtis, por “Tudo Em Todo Lugar”). Além deles, os prêmios técnicos – vários para “Nada de Novo no Front”, o de efeitos especiais para “Avatar” e de som para “Top Gun – Maverick”. Tive preguiça de pensar sobre os prêmios de Melhor Roteiro e Melhor Canção – esta, uma categoria que está em nítida crise existencial há anos.

 

 

Certo que o Cinema precisa se adaptar à realidade atual e ela contempla os serviços de streaming. Logo, talvez como primeira consequência, as produções para a telona precisem de menos duração, menos pompa, menos lentidão. Mas, daí a pisar no acelerador indiscriminadamente, vai uma diferença bem grande. É isso. Amanhã ninguém se lembrará do Oscar 2023.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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