Não existe idade na Universidade

 

 

 

As redes sociais foram sacudidas por uma reportagem na qual três jovens, alunas da Unisagrado, uma universidade particular em Bauru, interior de São Paulo, aparecem sacaneando uma colega mais velha. No vídeo que viralizou na sexta-feira, dia 10, as meninas dizem que a colega, de quarenta anos, já deveria estar aposentada, que faculdade não é lugar para pessoa dessa idade e outras falas pra lá de lamentáveis. No vídeo estão falas como: “Gente, quiz do dia: como ‘desmatricula’ um colega de sala?”. Logo depois, outra responde: “Mano, ela tem 40 anos já. Era para estar aposentada”. “Realmente”, concorda a terceira. A assessora de imprensa da universidade disse que as três jovens – cujos nomes não foram revelados – são alunas do curso de Biomedicina (cuja mensalidade custa mais de mil reais) e, obviamente, maiores de idade. Até agora, dois dias depois do ocorrido, a instituição publicou nota explicativa mas não adotou qualquer medida disciplinar em relação às alunas.

 

 

Não vou adentrar o assunto pela forma convencional, que seria, claro, criticar a postura das alunas mais jovens, não só pela crueldade, mas pela total burrice e completa alienação da realidade, afinal de contas, uma pessoa de quarenta anos, em pleno 2023, tem plenas condições de fazer o que quiser, especialmente estudar. O preconceito vai além do etarismo, palavra da moda, e tem mais a ver com ostentar uma trajetória bem sucedida – na qual não mais seria preciso um movimento desta natureza, uma vez que, na ótica do que diz a sociedade pós-moderna, a pessoa “já teria vencido na vida” à esta altura. Sendo assim, alguém numa faixa etária que extrapola este modelo, está “atrasada”, logo, “fracassou” e, não tem este direito. Por trás da fala das amigas, está uma cruel e equivocada moralidade, que privilegia o modelo de sucesso e exclui o diferente, tornando-o motivo de riso e preconceito. Se olharmos para o Brasil que emergiu do bueiro nos últimos anos, faz total sentido, ainda que seja lamentavelmente triste e cruel.

 

 

Mas, como eu dizia, não vou além disso neste assunto, não desta forma. Quero compartilhar com vocês a minha experiência como aluno mais velho numa universidade. Após me formar em Jornalismo em 1998, na Uerj, senti necessidade, onze anos depois, de frequentar um novo curso universitário – História. Sempre foi minha paixão, talvez até eu devesse ter escolhido como minha primeira opção, lá no século 20, mas quis o destino que só em 2009 eu fizesse os exames. Era o último ano do Vestibular da Universidade Federal Fluminense, em Niterói. Eu poderia ter entrado em outros cursos de História com o aproveitamento do meu currículo de Jornalismo, mas quis passar pela experiência toda e fui aprovado, ingressando no segundo semestre daquele ano. Eu já sabia que a maioria dos meus colegas de sala de aula teria metade da minha idade e, sinceramente, isso não me incomodava. Pelo contrário, àquela altura da vida, eu ansiava por conhecer gente muito mais nova, entendê-los, aprender com eles.

 

 

Tiro e queda. Eu era o mais velho da sala – mas não o único além da idade padrão – e jamais me senti desconfortável, pelo contrário. Logo precisei fazer trabalhos em grupo e nunca fui desrespeitado. Não parecia haver a diferença de vinte anos entre nós, havia o respeito que se tem por qualquer outra pessoa que frequenta um ambiente de ensino. Até alguns professores e professoras eram mais jovens que eu, algo que também nunca interferiu no trato acadêmico entre nós, pelo contrário. O que se construiu ali, na História-UFF, para mim, foi um ambiente de felicidade e aprendizado. Com o tempo, formamos um grupo de amigos e amigas muito querido, que frequentou minha casa, com o qual passeamos e fizemos vários programas, gente muito boa e amorosa, que me ajudou a terminar a graduação e cursar o Mestrado em História Social. Claro, meu apelido entre o pessoal era “Velho” e isso tinha variações como “Velho Barreiro”, “Velho Malandro” e por aí afora, porém, na maior parte do tempo, eu era apenas o Carlos. Estava de ótimo tamanho. Eu, ao contrário, era quem adorava dar apelidos a tudo e todos, algo que meus amigos achavam sinceramente engraçado.

 

 

Minhas referências da minha “faculdade fora de época” me dão a certeza de que a experiência foi/é válida e inestimável. Todos deveriam, uma vez livres da cobrança e das amarras da sociedade, vivenciar uma nova experiência acadêmica. O ambiente universitário é democrático, livre e, como o nome da já diz, “universal”, amplo, no qual não cabem posturas e declarações preconceituosas contra alguém que o frequenta com uma idade “A” ou “B”, pelo contrário. Não há tempo certo ou errado para adentrar uma universidade, felizmente. O que existe é o preconceito, a burrice e a falta de visão. E estas posturas devem ser combatidas, evitadas, expostas e ridicularizas.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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