Adriana Calcanhotto – Margem
Gênero: MPB
Duração: 27 min
Faixas: 9
Produção: Bem Gil
Gravadora: Sony
“Margem” é o primeiro disco de estúdio que Adriana Calcanhotto grava em onze anos. Antes dele, justamente, a cantora e compositora gaúcha lançou “Maré”, em 2008, quando cumpriu a segunda etapa do que ela chama de “trilogia marinha” em sua obra. O ciclo foi iniciado em 1998, quando veio ao mundo “Marítimo”, o seu então quarto álbum. Claro, Adriana não é a mesma neste espaço de 21 anos, acumulou muita informação, viajou o mundo, foi para Portugal lecionar na Universidade de Coimbra e amadureceu como artista. Sua música, orbitando entre a poesia concreta, acenos generosos ao passado da canção popular brasileira e um senso acima da média para compor belas melodias próprias. Agora, com “Margem”, ela vem assessorada por Bem Gil.
As primeiras canções apresentadas davam conta de um álbum bem diferente do que Adriana está acostumada a lançar. A faixa-título é um samba cadenciado, com letra bela “Margem, sonhei com a viagem, eu menos meu nome, menos meu reino, menos meu senso, menos meu ego, menos meus credos, menos meu erro”. “Lá Lá Lá”, totalmente percussiva, com elementos eletrônicos sutis, levada afoxé e um clima de saudade implícita (“lá, entre o ar e a areia, onde a onda balança contra o que margeia” e “Ogunté”, também eletrônica e com letra declamada e engajada “crianças encalhadas na costa de Lesbos, cruzeiros de luxo pelas ilhas gregas”. Estas composições dão um molho especialíssimo ao disco, mas a sua tônica ainda é muito sintonizada com os outros trabalhos de Calcanhotto, mais suaves e doces.
Há belíssimas canções por aqui. “Tua”, por exemplo, tem levada eletroacústica de violão, baixo e bateria, com letra apaixonada (“tua, tua e só tua”) que fala de viagem e da vida em movimento, com melodia inspiradíssima, talvez seja a melhor do disco. “O Príncipe das Marés”, com título em homenagem ao filme homônimo de Barbra Streisend, tem bom trabalho de guitarras numa espécie de refrão instrumental e outra letra belíssima (“a minha terra é o mar, escuto o chamado do vento e a água começa a dobrar, a onda vai me carregar, o meu cavalo é o mar”). “Era Pra Ser” tem uma estrutura muito próxima das canções de amor tradicionais portuguesas, com belos floreios de cordas e bandolins e arranjo muito inspirado. “Os Ilhéus” também é lenta e contemplativa, com reflexão sobre nuvens, mar,
céu e este clima litorâneo que impregna o disco.
“Meu Bonde” é outra composição com letra declamada, propulsionada por agogô e programação eletrônica de bateria, emulando algo entre o batidão funk e alguma percussão de rua imemorial, fazendo conexão com as outras canções mais percussivas e experimentais, justo as que anunciaram o álbum ao público.
Adriana Calcanhotto mostra que está em movimento e captando as mudanças surgidas no mundo neste tempo em que passou apenas fazendo shows. Sua poesia está afiada, sua musicalidade segue intacta e “Margem” é um ótimo disco semi-experimental em sua carreira.
Ouça primeiro: “Tua”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.