Santana – Africa Speaks

Gênero: Rock, afro, jazz, latino
Duração: 64 min
Faixas: 11
Produção: Rick Rubin
Gravadora: Concord

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

Há uma sutil diferença entre Carlos Santana, o guitarrista mexicano de fama mundial e sua banda, Santana, um combo multiétnico responsável por trazer tinturas afro-latinas para o rock sessentista californiano. A relação entre ambos é intrínseca, sabemos bem, porém, a banda Santana vem passando por um momento particularmente interessante, pelo menos, desde 2016. Este ano viu o lançamento de “Santana IV”, um álbum que reconectava o grupo com seu passado áureo, deixado pelo caminho ao longo da estrada dos anos 1970 até aqui. Ali, com força e espírito renovados, Carlos e sua banda original retomavam sua fusão na melhor forma possível. No ano seguinte, ele emprestou sua guitarra ao subestimadíssimo álbum “Power Of Peace”, no qual acompanhou os Isley Brothers em várias versões de clássicos da soul music. Agora, confirmando sua ótima fase, volta ao disco com um trabalho em que abraça a África – algo sempre insinuado em sua música – de forma inédita: “Africa Speaks” é o que seu título sugere, um álbum negão e sensacional.

 

Para acompanhá-lo nesta jornada, Santana recrutou a cantora afro-hispânica Buika, que canta em vários idiomas ao longo do disco, e engrossou as fileiras de sua banda com a presença de sua esposa, Cindy Blackman, que já foi responsável por propulsionar a banda de Lenny Kravitz. Sua presença confere ainda mais pegada ao som já potente do grupo, devidamente orientado para empreender a construção de pontes afro-caribenhas ao longo do álbum. Novamente gravando pelo selo Concord, Santana tem liberdade para fazer sua versão do fusion em pleno 2019, muito próximo do pop enguitarrado setentista que ajudou a construir e muito inserido nas conexções cubanas de sonoridades negras. A presença de Buika confere o acento final, revestindo as canções de autenticidade e relevância.

 

“Africa Speaks” é um discaço, inesperado apenas para quem pensa que Santana é alguma espécie de dinossauro. O cara seguiu sempre ativo, às vezes acertando em cheio, especialmente no aspecto financeiro, quando, ao início dos anos 2000, gravou parcerias com astros pop da época, principalmente em seu álbum “Supernatural”. No entanto, aqui o assunto é outro, completamente diferente. A viagem musical é muito mais profunda e vai encantar seus admiradores mais velhuscos, porém, deve interessar também aos que se ligam na música negra mundial, algo que está presente em todos os ramos possíveis do pop.

 

É difícil pensar num álbum de Santana em que a guitarra não seja protagonista, porém, em “Africa Speaks” ela é uma das presenças marcantes. A percussão/bateria é parte indissociável das construções rítmicas das canções e chega a atingir a perfeição em vários momentos. O diálogo entre ela e a guitarra é sublime em “Yo Me Lo Merezco”, por exemplo, com mais de seis minutos de combustão espontânea. Em “Blue Skies”, cuja duração vai além dos nove minutos, os climas e nuances vão se intercalando na primeira metade, até explodir num blues barulhento e cheio de alternativas. Faixas como “Bembele” ou “Candomble Cumbele” carregam nas influências africanas presentes na música centro-americana, mostrando adoráveis similaridades culturais e religiosas com a própria música brasileira, que não deveriam ser novidade para ninguém.

Santana gravou seu melhor disco em décadas e mostra que está cheio de lenha para queimar. Seria sensacional ver o show deste álbum ao vivo, com a banda que o acompanha nas faixas, mostrando o quão versátil e forte ele é. Uma cacetada.

 

Ouça primeiro: “Bembele”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

One thought on “Santana – Africa Speaks

  • 23 de outubro de 2019 em 13:49
    Permalink

    Eu ouvi algumas das faixas pelo Spotify e tive a impressão exata que você disse, de uma cacetada, um retorno magistral. Consumi Supernatural e o Shaman loucamente e estava sentindo falta de um som mais a raiz do Santana, apesar de amar os dois albuns. Preciso tomar vergonha na cara, assinar o Spotfy premium e ser feliz!

    Resposta

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *