A renascença artística de Eddie Chacon

 

 

 

 

Eddie Chacon – Sundown
34′, 8 faixas
(Stones Throw)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

É bem possível que você conheça uma canção que tem vocais de Eddie Chacon, ainda que o nome não esteja despertando suas lembranças. Composta e gravada em parceria com Charles Pettigrew, “Would I Lie To You”, canção do álbum “Duophonic”, lançado em 1992, até hoje é um dos cavalos de batalha das FMs “cultas” do país e até fez parte da trilha sonora da novela global “Deus Nos Acuda”, ao lado de “Friday I’m In Love”, do The Cure e “Mr.Loverman”, de Shabba Ranks. Certamente Charles And Eddie se enquadram no que entendemos por “one hit wonders”, ou seja, artistas que ficam muito famosos por conta de um sucesso avassalador e … só. No caso da dupla, nada mais de “Duophonic” teve visibilidade e o mesmo destino se abateu sobre o segundo álbum da dupla, “Chocolate Milk”, de 1995, o que levou Eddie a se tornar fotógrafo e diretor criativo. Qualquer chance de revival da dupla foi abortada definitivamente em 2001, quando Charles faleceu por conta de câncer.

 

 

Eddie só retornou ao disco em 2020, quando lançou “Pleasure, Joy And Happiness”, com produção e parceria de John Carroll Kirby, que já havia pilotado estúdios para Harry Styles. Este álbum significou um verdadeiro renascimento para o cantor. A sonoridade de outrora – um soul pop retrô bem feito – evoluiu para algo muito mais elaborado. A partir das texturas de sintetizadores providas por Kirby, que também arregimentou percussionista, flautista e baixista, Chacon passou a fazer algo próximo da sonoridade jazz-funk de Lonnie Liston, algo do jazz brasileiro setentista, bem como da transcendência de Pharoah Sanders, citado como influência pelo próprio Eddie, ainda que não haja saxofone em seus álbuns. Sendo assim, com este sucesso/realização inesperado, ele retorna com um álbum muito semelhante ao anterior, dotado do mesmo tipo de beleza: “Sundown”.

 

 

A sonoridade é a mesma de “Pleasure, Joy And Happiness”, mas é possível afirmar que “Sundown” tem canções melhores, o que demonstra uma fluidez maior na parceria entre Chacon e Kirby, bem como um conforto maior do vocalista em meio aos timbres e detalhes. O que a dupla faz por aqui é proporcionar sons que recriam bases soul clássicas dos anos 1970, devidamente misturadas a toques jazzísticos, mas com uma abordagem de sintetizadores e outros instrumentos que não parece algo eletrônico. É uma sonoridade calma, que nunca acelera ritmos e andamentos, dando chance para que o ouvinte possa prestar muita atenção em diversas e sutis camadas de percussão, synths, baixo e sopros. A voz de Eddie se encaixa com elegância e mostra versatilidade em meio a scats e improvisos, mostrando que o homem é um baita vocalista de soul.

 

 

Destaques estão por todos os cantos de “Sundown”, mas é possível apontar quatro canções soberanas. A faixa-título tem um groove mágico de percussão que chega a lembrar um pouco “What’s Going On”, de Marvin Gaye, mas que entra por uma realidade alternada em que os vocais de Eddie pairam sobre a música em meio a impressões de um por de sol mágico em algum lugar ideal. “Step By Step” tem outro andamento, com detalhes de sintetizadores e uma sonoridade um pouco mais oitentista, ou melhor, como se alguém nos anos 1980 tentasse rever algo da década anterior. Destaque para o naipe de sopros, que conduz a melodia. “Comes And Goes” já é outra história – mais silêncio a princípio e muitos detalhes na percussão, com vocais que lembram o melhor da Motown dos anos 1970. E “Holly Hell”, o grande sucesso do disco até aqui, com um andamento mais rápido, fraseado que lembra “Lowdown”, de Boz Scaggs, sob a água, algo com que Ed Motta deve sonhar acordado.

 

 

“Sundown” é uma maravilha escondida, um paraíso perdido, mas recém-achado, um disco que vai correr por fora entre os melhores trabalhos de 2023. Ouça correndo e passe adiante.

 

 

Ouça primeiro: “Holly Hell”, “Sundown”, “Step By Step”, “Comes And Goes”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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