Boygenius sintetiza nostalgia dos anos 1990

 

 

 

Boygenius – The Record
42′, 12 faixas
(Interscope)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Julien Baker, Phoebe Bridges e Lucy Dacus são jovens e talentosas mulheres na casa dos vinte e tantos, quase trinta anos. São, portanto, criaturas nascidas na metade da década de 1990 e este dado é informação chave para entendermos a existência do Boygenius. Se em suas carreiras individuais, as moças são artistas que abordam diversos temas e estéticas – quase sempre o folk rock criativo, com ótimos achados líricos -, na forma deste “supertrio”, elas constituem uma agradável e talentosíssima formação de rock alternativo cujo foco é, especificamente, a saudade do que elas não viveram. As três nasceram depois de “Nevermind” ser lançado, não viram o triunfo de Pixies, Breeders, Dinossaur Jr, nenhuma das forças criativas daquele tempo. Mas a julgar pelo que usam como informação para o Boygenius, certamente é dessa música e desses assuntos que elas querem falar. E mais: querem dizer que, como a maioria das pessoas, sentem saudade e vivem certa dose de nostalgia. Saudade de tempos com menos responsabilidades, com mais amores, com mais gente cuidando por perto. Quem nunca?

 

 

A colaboração do trio começou em 2018, quando, em quatro dias, gravaram e produziram um ótimo EP, homônimo, com distribuição do prestigioso selo Matador. Em cinco anos, as carreiras de Dacus, Baker e Bridges se modificaram e seus nomes se tornaram grandes, especialmente Phoebe Bridges, que hoje é artista indie de primeiro time, dona de gravadora e força criativa ampla. Lançar um álbum hoje é um jogo completamente diferente do que há cinco anos, mas, de alguma forma, a mágica do que aconteceu em 2018 está presente nas doze ótimas canções de “The Record”, ainda que haja mais foco e mais recursos para oferecer um baita de um disco. Toda a síntese do rock alternativo nos anos 2010 e 2020 passa por aqui, uma vez que o trio – que também produz o álbum – conseguiu achar uma sonoridade que mistura as influências noventistas e vai temperando com outras sonoridades, especialmente tonalidades neo-Fleetwood Mac, que passam sutilmente sob os nossos olhos e ouvidos. Além disso, é comovente ver como o trio assume com franqueza os temas da nostalgia, do arrependimento e das dúvidas que permeiam pessoas na casa dos trinta anos. Ao contrário da indestrutibilidade dos ícones artificiais do pop, essas mulheres são de verdade.

 

 

“The Record”, não bastasse todo a pompa e o conceito envolvidos, tem ótimas referências e canções. Algumas chegam a ser surpreendentes pela delicadeza, como “Cool With It”, que, como as moças mesmo afirmaram, tem um “toque” de Paul Simon, uma vez que a melodia e a linha vocal praticamente citam “The Boxer”, de Simon And Garfunkel. Os singles lançados até agora são próximos da perfeição. “Not Strong Enough”, o mais recente, é uma das canções do ano. Mistura uma dinâmica perfeita – decalcada das bases fleetwoodmaquianas mencionadas acima – e uma letra maravilhosa na qual o verso “Always an angel/Never a god” é repetido como um mantra. “Emily I’m Sorry”, segundo single a ser lançado, é outra maravilha, dessa vez um pouco mais doce e ressentida. De autoria de Phoebe Bridges, a canção brilha por si, mas, novamente, a letra tem achados maravilhosos, como a contraditória proposta de futuro contida no verso: Just take me back to Montréal/I’ll get a real job, you’ll go back to school/We can burn out in the freezing cold/And just get lost”.

 

 

“True Blue” é outra lindeza, composta por Lucy Dacus, que já começa com a força do verso: You said you wanted to feel alive/So we went to the beach/You were born in July ’95/In a deadly heat/You say you’re a winter bitch/But summer’s in your blood/You can’t help but become the sun”. O arranjo é puro rock alternativo noventista ressignificado e temperado com vocais de apoio que parecem cair do céu e um senso melódico raro hoje em dia. Além destas canções, que são o núcleo de excelência de “The Record”, também há a agridoçura de “Revolution O”, a citação esperta em “Leonard Cohen”, a acidez de “The Satanist” e a excelência de “Anti-Curse”. O fecho com “Letter To An Old Poet” é uma balada folk triste e pungente, que lembra ao ouvinte que, afinal de contas, estamos diante de três artistas cujo veio principal de inspiração vem da música folk.

 

 

“The Record” é mais que um disco de ótimas canções, é uma síntese de sentimentos, carreiras, experiências e saudades, mantendo intactas as características das três artistas envolvidas, apontando pro futuro a partir do presente e do passado. É um evento belo e raro, que você tem que prestigiar.

 

 

Ouça primeiro: “Emily, I’m Sorry”, “True Blue”, “Not Strong Enough”, “Cool About It”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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