Lulu Santos: 70 anos e 20 canções
Hoje é aniversário de Luiz Maurício Pragana dos Santos, conhecido nacionalmente como Lulu Santos. O homem faz setenta anos de idade e mostra que está em boa forma, pelo menos na grande mídia. Lulu é, para muita gente, o jurado do The Voice Brasil, aquele tio que tem “um monte de sucessos” no passado. E põe passado nisso, pois, segundo consta, Lulu passou vários anos amargando um ostracismo musical intenso, pelo menos, entre 2003 e 2019, quando lançou seu álbum de inéditas mais recente, “Pra Sempre”. Antes dele, apenas “Bugalu” tinha alguma consistência e estofo dignos do que produziu de melhor em sua carreira.
E, quando o assunto é carreira musical, Lulu Santos é um dos caras com mais sucessos na história da música pop brasileira. Entre 1982, quando lançou “Tempos Modernos”, e 2003, o ano do já mencionado “Bugalu”, ele emplacou diversas canções no imaginário nacional. Transitou pelo rock, pelo pop, pela música eletrônica, abriu espaço para o funk carioca, enfim, Lulu foi um desses raros artistas com veia pop e capacidade experimental bem dosada. Hoje, dia 4 de maio de 2023, Lulu vai lançar seu novo show “Barítono”, com exibição especial no Multishow. Nós veremos e voltaremos amanhã para dizer como foi. Enquanto isso, deixamos aqui as nossas preferidas da carreira do homem. Algumas escolhas são óbvias, outras são bem pessoais, mas todas as canções dessa listinha mostram o talento do sujeito.
20 – E Então? (Boa Pergunta) (1992) – começamos com um “deep cut” como dizem os fãs pedantes de música quando se referem a uma canção obscura de um artista. Esta é a faixa que encerra o bom disco “Mondo Cane”, lançado em 1992, que passou meio batido na época. O arranjo de samba psicodélico, meio bossa, meio qualquer coisa, é maravilhoso.
19 – Areias Escaldantes (1982) – clássico dos tempos primordiais da carreira de Lulu, lançado no álbum “Tempos Modernos”, do distante ano de 1982. Era outro mundo, eu tinha míseros doze anos. O rock brasileiro era ingênuo, feliz, libertador. Roquinho básico e carregado na memória afetiva.
18 – Satisfação (1988) – canção do álbum “Toda Forma de Amor”, foi seu terceiro single e mostra um arranjo cheio de balanço – uma característica que Lulu sempre teve em suas criações. É uma espécie de versão brasileira de “(I Can’t Get No) Satisfaction”, guardadas as proporções e referências.
17 – Hyperconectividade (1997) – faixa do álbum “Liga Lá”, de 1997, que prometia um pouco mais de rock depois do flerte que Lulu manteve com a música eletrônica e a disco music nos trabalhos anteriores. O resultado foi estranho, mas com alguns bons momentos, caso desta maravilhosa canção invocada.
16 – Se Você Pensa (1994) – cover magistral do álbum “Eu e Memê, Memê e Eu”, lançado em 1994, marcando o mergulho de Lulu nas sonoridades eletrônicas. Aqui ele misturou a Jovem Guarda com um sample matador de “Long Train Running”, dos Doobie Brothers, e uma batida funky. Próximo da perfeição.
15 – Tão Bem (1984) – canção que pertence ao imenso acervo de sucessos radiofônicos de Lulu nos anos 1980. Pop direto, com saxofones e refrão matador. Uma lindeza que o velho mestre costumava fazer como quem bebe um copo d’água. Faixa de “Tudo Azul”, de 1984.
14 – Brigas (Meu Benzinho) (1985) – esta canção pertence ao meu álbum favorito de Lulu, “Normal”, de 1985. O balanço do arranjo é perfeito, a letra é sensacional e todo mundo estava na ponta dos cascos. Maravilha.
13 – Tempos Modernos (1982)- a faixa-título do primeiro disco de Lulu tornou-se uma espécie de hino e isso é mais que justo. Letra linda, melodia matadora, grude pop na medida e temos um clássico interdisciplinar e atemporal.
12 – Condição (1986) – a incursão mais deslavada de Lulu pelos terrenos do funk nacional, com um arranjo matador e vários tiques e taques moderníssimos – para a época – na produção. Um colosso dançante e performático, presente no belo álbum “Lulu”, de 1986.
11 – Um Certo Alguém (1983) – esta canção sonorizou muitos amores impossíveis e improváveis da minha adolescência. Ela parece ter sido criada com esta função e tudo funciona por aqui – arranjo, interpretação, escolhas, produção. Um clássico da música brasileira de todos os tempos e ponto final. Faixa do segundo disco de Lulu, “O Ritmo do Momento”.
10 – Brumário (1989) – a incursão de Lulu pelo samba-rock – pelo menos assim foi anunciado o álbum “Popsambalanço e Outras Levadas”, em 1989, não foi bem sucedida, mas esta ótima canção se destacou como o ápice desta fase.
09 – Papo Cabeça (1990) – O álbum “Honolulu” foi marcado pelo péssimo hit “Eu Acredito” (versão de “I’m A Believer”, dos Monkees), que tinha o temerário verso “eu pensei que o amor fosse mole, mole assim, feito requeijão”. Pena porque, esta canção aqui é trilhões de vezes mais inspirada e bela. Gravação perfeitinha de uma fase pouco inspirada de Lulu Santos.
08 – Aviso Aos Navegantes (1996) – considero esta gravação um pequeno milagre pop nacional. Faixa do bom álbum “Anti-Ciclone Tropical”, o terceiro da trilogia pop-dance-eletrônica de Lulu. O arranjo é moderninho, a melodia é belíssima e a letra tem charme. Um clássico da carreira do homem.
07 – Aquilo (1998) – a produção de Lulu nos anos 1990 foi menos inspirada do que na década anterior, porém, se nos anos 1980 ele fazia pencas de hits, nos 1990 ele cometia poucos, mas ótimos sucessos. “Aquilo” é um desses casos: melodia e letra maravilhosos, outro pequeno milagre pop, presente no álbum “Calendário”, de 1998.
06 – Já É! (2003) – o último grande hit que Lulu gravou, há vinte anos. Foi a faixa que puxou o álbum “Bugalu” e tem muito de reminiscência dos anos 1970, assombrada que é por tinturas disco e imaginário da época. E ainda tem um verso marcante: “Sei lá, tem dias que a gente olha pra si/E se pergunta se é mesmo isso aí/Que a gente achou que ia ser/Quando a gente crescer”. Maravilha.
05 – O Último Romântico (1984) – hoje em dia, ouvir essa canção traz algumas lágrimas ao velho coração. Lá em 1984, eu a ouvida como se fosse um auto-hino, algo meio biográfico, só que meu. A letra é cheia de achados espertos como “Tomar o mundo feito Coca-Cola”, “Fazer da vida sempre o meu passeio público” ou “Talvez eu seja o último romântico, dos litorais desse Oceano Atlântico”.
04 – Casa (1986) – pequena maravilha do álbum “Lulu”, de 1986. Aqui Lulu vem com um arranjo pop rock à prova de falhas, com letra que fala sobre voltar para casa, lembrar de onde viemos e, a partir disso, sabermos quem somos. Um hit certo nos corredores do Colégio Santo Agostinho daqueles tempos.
03 – De Repente (1985) – outra maravilha de “Normal”, com uma das letras mais inspiradas que Nelson Motta escreveu, com versos do calibre de “Não há nada a perder/Não há nada a ganhar/A não ser o prazer de ser o mesmo , mas mudar” e “Não há nada só bom/Nem ninguém é só mau/Se o início e o final de nós todos é um só!”. Lindo.
02 – Tudo Azul (1984) – essa canção é uma das mais inspiradas criações da lavra de Lulu Santos. É uma espécie de hino pré-Nova República, tem um arranjo inovador e que tenta emular algum ritmo nordestino. Tocava toda hora no rádio, estava no ar, era palpável. Um clássico absoluto. “Nós somos muitos, não somos fracos, somos sozinhos nessa multidão, nós somos só um coração sangrando pelo sonho de viver”. Fala sério.
01 – Sincero (1985) – esta canção é o ápice da poesia e da eficiência de Lulu. Puxou o álbum “Normal” e apresentou uma nova versão da banda que acompanhava o sujeito, com direito a feras como Nico Rezende, Leo Gandelman e Arthur Maia. Juntos, eles eram quase imbatíveis. Tem até citação de Burt Bacharach no solo de saxofone. Uma porrada.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Elucubrando aqui: talvez (só talvez, ou não) Lulu tenha retomado algum ânimo artístico a partir de “Pra sempre” a partir dos fatos pessoais – alguns conhecidos do público, outros não. Pareceu ser um alívio para ele. Tanto que Nelson Motta, conhecedor do dito cujo, já falou “Lulu está amável, e Lulu nunca foi amável”.
Sinto um pouco de falta daquele Lulu que dava ao público o que ele queria (coisa que até hoje faz), mas que às vezes subvertia essas expectativas. Não só em discos “estranhos” como “Normal” “Popsambalanço e outras levadas”, “Liga Lá”, “Programa”, mas nos shows que fazia com o lado B da carreira, ora batizados como “Jakaré” (circa 1998), ora como “Valete” (2007, por aí), ora como “Dudu Sanchez” (2009).
Mas… oras, é artista pop, né? Tem de agradar o público antes de tudo. E ele continua fazendo bem isso.
Em tempo, uma erratinha: o sample da versão de “Se você pensa” é dos Doobie Brothers, sim. Mas é de “Long Train Runnin'”, não de “Listen to the music”.
Destaque pessoal: as instrumentais que ele tem na carreira. Com destaque para “Ahn-han”, pedrada solitária (Lulu tocou as guitarras, o baixo e programou a bateria) que encerra “Normal”.