A quarentena brutal de Anselmo do São Carlos DJ
Anselmo Silva, morador do Morro do São Carlos, no Estácio, Rio de Janeiro, cresceu mergulhado no funk. Curtia a obscuridade do estilo no fim dos anos 1980, quando ainda era criança, e tolerou a primeira leva do funk pop, da metade inicial dos anos 1990, que conduziu o som aos lares de classe média.
Por volta de 1994, ele já queria ser DJ e produtor, mas seu dia a dia consistia em estudar pela manhã em uma escola que hoje nem existe mais e trabalhar à tarde como borracheiro na oficina da família. Poucos anos depois, o sonho parecia ter sido enterrado, pois a vida cobrava. Se manter vivo era complicado, e não havia tempo para “brincar de artista”. Mas a vontade estava lá, e o amor pela esquizofrenia musical também.
No fim da década de 1990, começou a produzir mixagens que tocaram exaustivamente na Rádio Imprensa, do Rio, além de fazer um gigantesco número de bailes na cidade e em municípios da Baixada Fluminense. No início dos anos 2010, começou a se interessar pelo minimalismo e a apreciar a obra de artistas eletrônicos dos anos 1950 e 1960.
Essa soma de influências e histórias desaguam em “Quarentena Brutal”.
Lançado pela 13Discos, o álbum, composto e gravado em meio à pandemia que toma conta do planeta, sintetiza climas e sentimentos baseados no que o artista, e muitos de nós, vivemos no momento. Ele reúne, em oito faixas e apenas 13 minutos de duração, miniaturas de experimentos sonoros que vão do funk ao eletrônico noventista, passando pelo pop, pelo noise e por um quase tributo ao Ween, cultuada banda americana que tem na demência e no humor dois de seus pilares.
Entre os nomes das faixas do disco, destaque para “Marcha Fúnebre do Bolsonaro”, “Disseram Que o Coronavírus Comprometeu a Estrutura de um Prédio do Centro da Cidade”, “Babu Santana Sangue Bom Curtindo um Som na RPC em 1991” e “Doideira Pensar Que a Covid-19 Talvez Dê Jeito no Calendário do Futebol Brasileiro”.
O saldo de “Quarentena Brutal”, que foi todo gravado na casa do artista e cuja capa é baseada em uma foto do artista francês Pierre Châtel-Innocenti, é bastante criativo, maluco e, ao mesmo tempo, de fácil digestão. Escute e veja o que acha.
A discografia completa de Anselmo do São Carlos DJ inclui os álbuns “Anselmo DJ Supernervoso” (1999), “Anselmo do São Carlos DJ Faz a Festa Mix” (2002), “De Coração Para Coração” (2004), “Chega Mais” (2008), “Louco no Espaço” (2010) e “Arquiteto Eletrônico do Amor” (2015).
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.