Fernanda Takai – Será Que Você Vai Acreditar?

 

 

Gênero: Rock alternativo

Duração: 38 min.
Faixas: 10
Produção: John Ulhoa
Gravadora: Deck

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

Fernanda Takai é uma das grandes cantoras em atividade no país. E parece que não, que ela é só a vocalista do Pato Fu, aquela menina de voz fininha, doçura implícita e só. Fernanda já evoluiu tanto como compositora e intérprete que quase não dá pra reconhecê-la nos primeiros álbuns da banda mineira. Depois de incursões pela Bossa Nova, pelo cancioneiro mais popular e pelas colaborações à frente do Pato, ela se achou como uma cantora peculiar, que usa a fragilidade a favor de uma narrativa “fofa”, mas que passa longe da chatice e/ou mesmice. Este novíssimo trabalho é bem peculiar, trazendo a produção do marido/parceiro John Ulhoa, que mixou e tocou todos os instrumentos. É um trabalho temático sobre o confinamento social, o isolamento, além da consequente reflexão que surge daí. “Será que você vai acreditar?” é um disco de e para hoje.

A habilidade de Fernanda surge nas sutilezas. Seu registro frágil empresta tal característica para o trabalho, mas só em uma visão geral. Basta perceber mais a fundo para perceber a força da cantora em vários momentos, especialmente em definir este estilo que abrange pop moderno, algumas releituras, algumas citações, sempre dando a impressão de que estamos ouvindo alguém muito ciente de tudo o que acontece no mundo. E, neste caso, tal impressão é parte do atrativo do álbum. Por exemplo, “Terra Plana”, tão doce quanto triste, traz autoria de John, mostra, justamente a capacidade de alternar sentimentos e nuances.

“Escrevi a música pensando em nossa filha, imaginando se estamos dando a ela as ferramentas que precisa para ter a coragem que a vida pede, e a sabedoria para se esquivar do obscurantismo que anda nos assolando. É sobre pais envelhecendo e desejando ter acertado na educação dos filhos, para um dia poderem se despedir em paz”, contou John. O álbum também tem outra música inspirada pela paternidade, a saber, “Não Esqueça”, de Nico Nicolaiewsky (1957/2014), do conhecido espetáculo “Tangos & Tragédias”. A canção é um recado amoroso e atual, apesar de escrita há muitos anos, nunca foi oficialmente registrada por Nico. Alguns versos casam bem com os tempos de pandemia: “Não esqueça que é tudo ilusão, não esqueça de lavar as mãos”.

A belezura de “O Amor Em Tempos De Cólera” é resumida no doce verso, “se o amor está quieto, basta só um peteleco”, que é entoado em dueto com Virginie Boutaud, do Metrô. A lindeza é singela, emoldurada por um arranjo que traz referências de canção tradicional e lentinha. “Pensamos nessa canção como um carinho, um momento de aconchego em tempos tão difíceis. Virginie é sempre muito delicada em tudo que faz e adorei nossas vozes juntas. Ela lá em Toulouse e eu aqui em Belo Horizonte estamos mais perto do que nunca!” – comentou Takai.

As versões são de ótimo gosto. “One Day In Your Life”, do Michael Jackson ainda criança, surge com um toque melancólico e consonante com algo que poderia ser dos anos 1980. “Love Is A Losing Game”, de Amy Winehouse, também ganha nova roupagem e tem novas camadas de melancolia e doçura sobrepostas. “Não Creio em Mais Nada” (Totó), foi sucesso na voz de Paulo Sérgio gravado em 1970, e ressurge numa versão  criativa com uso de texturas vocais e sintetizadores. Quem também participa do disco é Maki Nomiya. Conhecida por integrar o duo Pizzicato Five, ela é coautora e canta com Takai a canção “Love Song”. “Ter a Maki comigo neste disco celebra mais uma vez nossa amizade musical, além da relação entre Brasil e Japão. Fizemos essa música sobre um amor que está distante, do outro lado do mundo, mas que sobrevive a todas as dificuldades.” – explica ela.

 

Singelo, nunca frágil, “Você Vai Acreditar?” é um disco de bom gosto, relevância e consonância com os tempos estranhos de hoje. Fernanda manda bem, sempre.

 

Ouça primeiro: “Amor Em Tempos Do Cólera”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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