A mediocridade extrema de “Águas Profundas”

 

 

Está disponível no Prime Video brasileiro o novo longa do diretor inglês Adrian Lyne, “Águas Profundas” (Deep Water). Você certamente já viu algo que Lyne filmou em sua carreira. Ele é o responsável por thrillers meio eróticos como “Atração Fatal”, “Proposta Indecente”, “Infidelidade” e “9 1/2 Semanas de Amor”, entre outros, obras em que questiona moral e costumes mostrando comportamentos não-convencionais por parte de casais hétero. Podemos dizer que Lyne teve seu tempo, suas obras costumavam causar certo impacto nas rodinhas de conversa – ainda existe isso? – e rendiam matérias interessantes nos veículos de comunicação. Não sei se é o sinal dos tempos ou a péssima dinâmica de “Deep Waters”, mas o fato é que este novo longa de Lyne é extremamente cafona e beira a indigência, com um roteiro que quase avilta a inteligência do espectador médio.

 

 

Aliás, é ele, o espectador médio, que é atraído mais facilmente para um filme como este, com a promessa de cutucar o estabilshment moralista americano, trazendo os bonitos e badalados Ben Affleck e Ana de Armas como um casal não-convencional, vivendo em New Orleans.

 

A trama é baseada no livro de mesmo nome, escrito em 1957 por Patricia Highsmith, devidamente transformado em roteiro por Zach Helm e Sam Levinson. Somos então apresentados ao casal Vic (Affleck) e Melinda (de Armas) Van Allen, que desfruta de uma condição sócio-econômica privilegiada, uma vez que ele é engenheiro eletrônico e ganha muito dinheiro com chips que são usados por drones militares. Ela não trabalha e vive uma rotina de badalações e festas no meio da burguesia local, um grupo de amigos dela e do marido. Seria tudo normal se não fosse por um detalhe: Melinda namora e transa com homens diante dos olhos dos amigos e de Vic. Até aí, bem, estamos em 2022, certo? Poderia ser um relacionamento aberto ou algo assim, mas Vic não oferece uma contrapartida em termos de comportamento, ou seja, não tem namoradas ou faz algo parecido. Ele, a princípio, parece concordar com a situação, sugerindo que ele e a esposa jogam entre si e que isso pode ser um – estranho – combustível para sua relação. Longe de parecer conservador, mas a premissa de um relacionamento aberto seria justa e daria verossimilhança ao roteiro, mas não é o que acontece.

 

Aos poucos sabemos que Vic não gosta da situação, tem ciúmes e tal. Mas nada acontece ou muda na relação que tem com Melinda, o que só faz com que os encontros e relacionamentos dela se intensifiquem diante dos olhos de todos. Até que começamos a ver que Vic tem planos para lidar com a situação e começa a colocá-los em prática, numa atitude que vai de encontro a tudo o que o filme apresenta ao espectador até a metade de sua duração. Então, a expressão feliz/conformada de Ben Affleck dá lugar à expressão misteriosa/tensa de Ben Affleck, num de seus piores desempenhos em toda a carreira. Ana de Armas, que é boa atriz e bonita, cai como uma luva na pele de Melinda, mas o personagem é tão mal desenvolvido e raso, que nem ela consegue salvar o desastre. Além disso tudo, o elenco de apoio, no qual se destaca o veterano Tracy Letts, é preguiçoso e muito mal dirigido.

 

O resultado é um desfecho que beira a indigência e dá ao espectador a certeza de ter sido enganado durante a maior parte do filme. É tão ruim e raso que você fica se perguntando se é isso mesmo, se não haverá mais nada, uma mudança, algo que justifique o andamento dos fatos. Mas não. O que fica é a direção estilosa de Lyne – envelhecido, afinal, ele está com 81 anos – e sem qualquer novidade. Nenhum questionamento, nenhuma discussão, nadica de nada.  Dá até saudade de bombas criadoras de caso como “Proposta Indecente”, no qual Demi Moore aceitava transar com Robert Redford por um milhão de dólares, algo que gerou um bafafá danado em 1993. “Deep Water”, ao contrário, não impressiona ninguém, apenas dá a certeza que o espectador deixou passar 116 minutos de sua vida à toa. Acontece.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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