A elegância e a beleza do canto de Vanessa Moreno
Vanessa Moreno – Solar
38′, 9 faixas
(Tratore)
Alguns discos te pegam e não largam mais, até que sejam ouvidos em sua totalidade. Assim foi com “Solar”, o novo trabalho da cantora e compositora Vanessa Moreno, cria de São Bernardo do Campo, no ABC paulista. O canto límpido, perfeitamente emitido, junto com sonoridades sutis de uma banda que parece muito entrosada, além de um repertório na medida, mesclando composições originais e versões bem escolhidas, tudo isso contribuiu para o visgo sonoro que me pegou em cheio. Vanessa não é veterana, mas tem considerável rodagem na cena musical da chamada “nova geração” de artistas brasileiras. Já são seis álbuns – sem contar este lançamento – nos quais cantou em parcerias, colaborações e solo, sendo o trabalho anterior, “Sentido”, lançado em 2021, talvez a grande ponte estética que Vanessa estabelece em sua carreira. Se os outros – bons – trabalhos comprovam seu talento em forma espontânea, é com “Sentido” que ele surge mais focado e coeso.
“Solar” é um disco menos luminoso que o título pode sugerir. Na verdade, é um desses álbuns que abrem espaço para uma existência mais contemplativa, algo que a gente quer muito nessa vida corrida de hoje, na qual é impossível prestar atenção nas pequenas coisas, por conta do tempo acelerado. Vanessa, intencionalmente, baixa as frequências e andamentos, oferecendo ao ouvinte um ambiente sem correria, no qual não há outra escolha a não ser prestar atenção no que ela tem a dizer. Sua voz, repito, é maravilhosa, casa perfeitamente com sua atitude e, de alguma forma misteriosa, encaixa perfeitamente nesta sonoridade elaborada pela banda – Michael Pipoquinha (baixo), que assina uma das composições, Felipe Viegas (piano e teclado) e Renato Galvão (bateria). Juntos, Vanessa e banda, são uma única criatura musical e isso é um dos ases de “Solar”.
A própria artista informa que os arranjos e escolha de repertório, bem como a autoria de cinco das nove faixas do álbum. E as versões são, como dissemos acima, de ótimo gosto e vindas a partir de escolhas originais. “Ererrê” (Chico César) recebe uma versão apoteótica e cheia de efeitos sonoros que vão ganhando corpo até que, no fim da canção, estão dominando a cena. “Coisas do Brasil” (Guilherme Arantes) é despida da carioquice de seu arranjo pós-bossa original e transita por um caminho muito mais melancólico. Já “O Silêncio das Estrelas” (Lenine/Dudu Falcão), gravada por Lenine no álbum “Falange Canibal”, de 2003, tem seu arranjo djavânico evaporado em memórias noturnas, numa ambiência jazzística contemporânea e árida. E tem a adorável “Salabim” (Edu Lobo/ P.C. Pinheiro), que fazia parte da trilha sonora de Castelo Rá-Tim-Bum, não menos que sensacional, cantada em clima de improviso total. Adorável.
As canções próprias não ficam nada a dever. “Solar”, a faixa-título, abre o álbum e – detalhe muito interessante – fecha o anterior, “Sentido”. A versão atualizada é maior, mais jazzística e aposta nos ótimos scats que Vanessa formula, nos quais a extensão de sua ótima voz é evidenciada. “Pedra do Sol” é outra lindeza, mais misteriosa e intrincada, com nuances que vão se apresentando em gotas de piano e no seu uso econômico. Ao longo da canção, uma ótima bateria se soma ao arranjo, com ótimo resultado. “Girassóis” é outra faixa belíssima, com sutil uso de teclados e um clima oitentista de r&b e jazz esparsos, novamente com destaque para a voz de Vanessa, que plana sobre as nuvens de um entardecer desejado. Ainda há espaço para um belo semi-instrumental, “Baexá Pra Van”, que tem sua melodia apenas enunciada pelo canto de Vanessa, com influência de Fátima Guedes.
“Solar” é uma joia escondida no seu tocador de streaming. Não pode passar batido pelo público de música brasileira que preza por detalhes nos arranjos, no repetório e na lindeza absoluta de uma das vozes mais impressionantes que ouvimos nos últimos tempos. Vanessa é elegante, sensível, intuitiva e deve ir longe. Se depender da gente, vai.
Ouça primeiro: o disco todo.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.