Rosana volta ao disco em grande estilo

 

 

 

 

Rosana – Feitiço
25′, 9 faixas
(Poliphonia/Lab344)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Existe um sem-número de cantoras jovens brasileiras que dariam tudo para ter um tostão da voz de Rosana. Não só a voz, mas sua atitude e seu conhecimento musical. Produtora e multinstrumentista, ela é capaz de surpreender até o mais cético ser. Sua volta ao disco, com “Feitiço”, encerra um hiato de vinte anos e faz justiça ao seu talento, recolocando-a no espaço em que domina as ações – o pop soul brasileiro dos anos 1980, que teve em Tim Maia o seu maior expoente e que também abrigou gente como Sandra de Sá e a própria Rosana como destaques. No caso dela, o sucesso veio após quase uma década após sua primeira gravação em compacto, na forma da bela canção “Nem Um Toque”, que entrou na trilha sonora da novela “Roda de Fogo”, em 1986, e revelou ao país a bela voz e o bom sendo de intérprete que Rosana sempre teve. No ano seguinte, a consagração nacional com “O Amor e o Poder”, versão de “The Power Of Love”, uma canção de 1984, da cantora americana Jennifer Rush. Nas mãos de Lincoln Olivetti e Claudio Rabello, ela se transformou no tema da personagem Jocasta, vivida por Giula Gam e Vera Fischer, na novela “Mandala”. Tal fato colocou Rosana em todos os programas de auditório possíveis no país.

 

Mas, a partir daí, sua carreira decaiu lentamente. Ainda cravou um belo sucesso, “Custe O Que Custar” e ainda participou como disco diva na faixa “Vamos Dançar”, ao lado do grupo Magrellos. Daí em diante, Rosana viveu vários problemas de ordem pessoal, que afetaram sua carreira e a retiraram das principais vitrines da mídia brasileira. Seu último álbum, homônimo, de 2003, tentou dar uma roupagem moderninha para sua música, incluindo aí uma versão dance aceleradinha para “O Amor e o Poder”, que resvalou para o autopastiche involuntário. Enfim, o que “Feitiço”, o álbum recém-lançado pelo selo Lab 344, é um milagre. Com gente que entende do assunto, entre eles, Sergiopi e Bombom, no comando da produção e da banda que a acompanha em estúdio, este disco tem sete faixas e duas vinhetas, nas quais não há perda de tempo. Tudo funciona e a proposta é bem clara – deixar a voz da mulher falar por si só. E o resultado é o que a gente, que já a conhece há tempos, já esperava: um show de talento.

 

Outro barato de “Feitiço” é o timaço de compositores e colaboradores presentes. Cantando com ela estão seu filho, o rapper Fiengo e o ótimo Zeca Baleiro. As faixas em que eles participam são sensacionais: a primeira, “Eu Bem Que Te Avisei”, é um autêntico exemplar neo disco classudo e cheio de teclados sensacionais. O ritmo é irresistível e remete, mesmo sendo algo totalmente 2023, ao melhor do pop dançante de natureza soul funk da virada dos anos 1970/80. O rap que Fiengo coloca na melodia funciona muito bem. A balada “Setembro”, com presença de Baleiro, é de autoria deste e de Wado, tem um dueto classudo e fluido, com acenos ao soul oitentista mais clássico e poderia ser cantado por Tim Maia e Sandra de Sá. Tem melodia belíssima e um arranjo que respeita as origens e tradições.

 

As outras canções são ótimas. “Wonder Woman”, é de Gabriel Moura, Cris Delanno e do saudoso Alex Moreira, com o verso “ser Wonder Woman todo santo dia/Juro que é difícil demais/Pode crer que uma super-heroína/Não tem um segundo de paz”, acena para outro detalhe bacana do álbum, o empoderamento. Outro ponto altíssimo é a faixa-título, de Leoni e Cris Braun, com ótimo baixo de Bombom e citação muito bem mandada de “You Get Me Hot”, de Jimmy Bo Horne, um dos maiores hits mundiais da disco music. “Um Tempo Pra Nós Dois”, inédita de Hyldon e Michael Sullivan, tem um arranjo mais contemplativo, mas não menos interessante, enquanto surge do passado, devidamente reempacotada como uma faixa neo disco, a bela “Cidadã do Mundo” (Claudio Rabello/Torcuato Mariano), canção originalmente lançada no álbum Onde o Amor Me Leva, de 1989. coloca Rosana em um cenário pós-disco vanguardista. Além delas, “Menos Carnaval” (Cris Braun/Alvin L), traz elementos da soul music clássica revista e com o auxílio luxuoso do saudoso músico Lulu Martin em que tocou piano Fender Rhodes. Fechando o percurso, as duas vinhetas: “Faz um Papapa” e em “So Beautiful, Pt. 1”, que podem apontar para um novo trabalho no horizonte, quem sabe?

 

Todas as vozes e overdubs ouvidos no álbum foram executados pela cantora com direção de Sergiopí, que produziu as faixas com parceiros como Hiroshi Mizutani (teclados, programações), Bombom (baixo elétrico, guitarras, efeitos) e Jair Donato (guitarras, programações), com exceção de “Setembro”, que traz arranjo de Wado e Donato. Diogo Macedo tocou bateria, e Tuta Macedo gravou, mixou e masterizou. Este é um trabalho fora da curva, que merece sua atenção imediata.

 

 

Ouça primeiro: “Feitiço”, “Setembro”, “Eu Bem Que Te Avisei”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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