Video Hits chega ao vinil duas décadas depois

 

 

 

Video Hits – Doces, Refrescos e Tratamentos Dentários
50′, 16 faixas
(Monstro Discos)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Há alguns dias vi que a Monstro Discos, brava gravadora goiana de muitas glórias e tradições, lançou a versão em vinil (laranja) de “Doces, Refrescos e Tratamentos Dentários”, o álbum que a banda gaúcha Video Hits gravou antes de ser contratata pela Abril Discos e lançar “Registro Sonoro Oficial”, em 2001. Pensei: “oras, vai ter um monte de gente falando a respeito”, até porque “Doces…” tinha um status “mítico” em seu tempo (2000), justamente por ser o trabalho no qual o grupo liderado por Diego Medina e Mike Vontobel soava de forma mais fiel ao conceito estabelecido por eles e pelos outros integrantes. Havia uma frustração com os resultados obtidos com “Registro…”, uma vez que soavam limpos e pasteurizados demais, não conseguindo reproduzir a explosão que a banda tinha ao vivo. Pois bem, não vi nada a respeito deste relançamento, então resolvi fazer esse texto, justo porque Video Hits é um dos maiores casos de banda sensacional da qual poucas/pouquíssimas pessoas tomaram conhecimento na época e que, pior ainda, quase todo mundo esqueceu. Em ambos os casos, isso é imperdoável. Sendo assim, senta que lá vem história.

 

A Vídeo Hits nasceu do Grupo Musical Jerusalém, uma banda que Diego Medina e Mike Vontobel, mais Gustavo Steffens e Augusto Bozzetti tinham em Porto Alegre e que misturava influências de Graforreia Xilarmônica – a banda-mãe de quase todas as formações gaúchas dos anos 1990 – com Jovem Guarda, Rock psicodélico anglo-americano dos anos 1960 (Kinks, Zombies, Beach Boys), esquisitices noventistas (Super Furry Animals, Mr.Bungle) e o rock alternativo de guitarras da época, especialmente de bandas como Weezer, Teenage Fanclub, Jellyfish, Superdrag e similares. A ideia era obter uma liga sonora flexível o bastante, na qual coubesse humor, guitarras e melodia. Era um tempo estranho, em que “banda com humor” significava fazer algo próximo do que fizeram os Mamonas Assassinas e essa, definitivamente, não era a praia de Diego, que já estava em atividade desde o início da década e havia alcançado notoriedade no underground de Porto Alegre em 1994, por conta de um projeto solo que se chamava Doiseu Mimdoisema e sua famosa fita-demo “Nunca Mais Vai Passar O Que Eu Quero Ver”, da qual a faixa “Epilético” chegou a ser um não-hit entre o público mais antenado da capital gaúcha.

 

A ideia de formar o Grupo Musical Jerusalém era, principalmente, dar uma estrutura de banda que fosse capaz de formar a tal “liga sonora” que mencionamos acima. O nome, digamos, peculiar, era por conta da intenção de batizar o grupo como se fosse uma daquelas pequenas orquestras de festa-baile do imaginário brega gaúcho. Qual não foi a surpresa dos sujeitos quando, Mike Vontobel, em andanças pelo interior do Rio Grande do Sul, descobriu que já havia uma formação com o mesmo nome, dedicada sabe-se lá a que repertório. Sendo assim, após algum tempo buscando inspiração, surgiu “Video Hits”, a partir de uma coletânea de sucessos pop dos anos 1980 encontrada em meio aos LPs de Mike. A partir daí, Diego, Mike, Gustavo e Augusto começam a fazer shows locais e desenvolver a musicalidade da Video Hits. Certamente um lugar no qual vários planos foram traçados pelos quatro foi o bar Garagem Hermética, espécie de point local no qual os fãs dessas bandas e de suas influências iam beber, paquerar e tudo mais. Além disso, o espaço, gerido então por Leo Felipe e Ricardo Kudla, fundado em 1992, comportava shows quase todos os dias. Várias bandas jovens daquela fervilhante cena powerpop gaúcha bateram ponto por lá, além dos Video Hits, gente como Tom Bloch, Wonkavision, Bidê ou Balde. O Garagem permaneceria ativo até 2013, quando foi fechado e depois vendido. Certamente foi um epicentro da borbulhância local enquanto esteve ativo.

 

Conta a lenda que a banda passou quase todo o ano de 1999 ensaiando e gravando este ótimo “Doces, Refrescos e Tratamentos Dentários”. A intenção era compilar as melhores composições surgidas nos últimos anos, inclusive algumas dos tempos do Grupo Musical Jerusalém, produzi-las com o máximo de profissionalismo possível e tentar divulgar o álbum para que chegasse ao maior número de pessoas. Para o registro, foi escolhido o Estúdio Dreher, outro importante marco na formação dessas bandas de Porto Alegre, na medida em que Thomas e Gustavo Dreher, jovens como a maioria dos integrantes desses grupos, eram capazes de entender as demandas típicas das sonoridades daquele fim de década. Era preciso que houvesse gente capaz de compreender as peculiaridades e, no caso da Video Hits, isso era mais, era capital. Além disso, os Dreher já haviam gravado grupos locais como a própria Graforreia Xilarmônica, os Cowboys Espirituais e Jupiter Maçã. Por conta de apertos orçamentários e outras funções, a banda registrou quinze faixas e passou um bom tempo enviando cópias em CD para vários músicos, redações de jornais, revistas, amigos, enfim, quem pudesse ouvir e perceber a belezura que estava ali. A longa espera teve fim quando Marcelo Camelo, guitarrista e vocalista dos Los Hermanos, ouviu o disco e decidiu levar até a diretoria artística de sua gravadora na época, a Abril. Pronto.

 

Ou melhor. Quase pronto.

 

Tinha início a fase final da Video Hits e ela começa pela gravação do primeiro álbum pela Abril, “Registro Sonoro Oficial”, que teria a produção de Rafael Ramos, na época, despontando na função, mas ainda lembrado nos círculos mais antenados como “o Rafael do Baba Cósmica”, por conta de sua ex-banda, que fizera sucesso alguns anos antes, na mesma onda dos Mamonas Assassinas. Com ele na cadeira de comando, a banda veio para o Rio de Janeiro, e as gravações ocorreram no badalado estúdio Nas Nuvens, de propriedade de Liminha. Além do quarteto, o tecladista Eduardo Bisogno e as vocalistas Vivian Schäfer e Carla Viceconte completavam a formação. Aí começa o problema, segundo o próprio Diego disse em entrevistas posteriores: a mixagem do disco exerceu uma função pasteurizante nas canções, limando boa parte do contraponto rock/barulho/sujeita das faixas, deixando-as apenas com o lado pop e a fofura meio esquisita que fazia parte da receita. Sem o peso das duas guitarras e sem a bateria nervosa de Vontobel, a Video Hits meio que perdia o sentido. Tudo bem, ainda havia muita gente que nunca tinha ouvido a banda e, se o alvo era o público além-RS, ainda havia chance. Até porque, mesmo em meio a este detalhe, havia algumas novidades, especialmente a versão de “Silvia 20 Horas Domingo”, de (e com o próprio) Ronnie Von, além da participação inusitada de Gerson King Combo na ótima faixa “Furacão”.

 

De fato, o clipe de “Vo (c)”, faixa de trabalho de “Registro Sonoro Oficial” teve alta rotação a partir da divulgação do clipe na MTV. Nele, o septeto aparecia num programa fictício de TV dos anos 1960, fazendo playback e esbanjando nas caras e bocas para as câmeras. A canção era adorável, as vocalistas eram fofas e a banda era afiada, porém, sem o componente sujeira, para muita gente sem noção, a Video Hits parecia uma espécie de “Blitz gaúcha” e isso não iria muito longe. Para agravar a situação, eles precisaram se mudar para a capital paulista a fim de minimizar custos e viabilizar a participação em programas de TV e shows nas redondezas. Funcionou a princípio, mas o fôlego para tal empreitada, além das dificuldades enfrentadas por quem está longe de casa, dependendo de divulgação e suando sangue para conseguir mostrar seu trabalho, acabou por vitimar a banda. Além dessas dificuldades de praxe, o Brasil de 2001 era o país da inflação do segundo governo FHC, descobrindo aos poucos as vantagens de uma Internet ainda incipiente e lidando com ondas de bandas como Bonde do Tigrão, Terrasamba e por aí vai. No setor do rock, havia pouco além de Los Hermanos e Charlie Brown Jr, com o Capital Inicial desfrutando da recente exposição de seu “Acústico MTV”. E também tinha Jota Quest, Vinny (do “mexe a cadeira”), LS Jack e por aí vai. Ou seja, não era um ambiente exatamente hospitaleiro para a verve esquisitona-jovem guarda-from hell da Video Hits.

 

 

O que nos leva de volta a “Doces, Refrescos e Tratamentos Dentários”.

 

É o álbum que soa como a banda gostaria de soar, produzido em território familiar, pelas mãos de conhecidos e queridos. Além disso, o próprio Thomas Dreher remasterizou esta fornada em vinil, amplificando mais a força das gravações de 1999. Toda a crocância de canções maravilhosas como “Louco por Você”, “Cozinha Oriental”, “(Vo)C”, “Sobras” e “Sentido Anti-horário” estão de volta, nítidas como nunca, com a força que deveriam ter pelas gravações da Abril, mas que não tiveram. A proximidade do lançamento em vinil do álbum fez com que ele surgisse também nos serviços de streaming (já existia no YouTube há tempos) e essa é uma oportunidade dourada para que as pessoas confiram a excelência da Video Hits em seu tempo, antes das decepções, olhando para o futuro como se fosse capaz de tudo. De certa forma, ouvir este álbum faz a gente acreditar nisso. Ouçam, conheçam s banda e reverenciem a Monstro Discos pela iniciativa de preservação desta memória. Sem isso não avançamos.

 

Vem conhecer o trabalho da Monstro Discos.

 

Diego Medina é um talentosíssimo ilustrador que já colaborou e colabora com vários veículos de comunicação do país, além de produzir peças exclusivas. Conheça o trabalho dele aqui.

 

Abaixo está a playlist de aparições da Video Hits em vários programas de TV da época.

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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