Pete Yorn lança álbum acústico sobre tempos difíceis

 

 

 

 

Pete Yorn – The Hard Way
25′, 8 faixas
(Shelly)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

“Pete Yorn é um desses sujeitos que a gente ouvia quando pensava que sabia de tudo. Ele e gente como Ryan Adams, Jeff Tweedy, talvez Grant-Lee Phillips, que se tornaram graciosamente obsoletos pela modernidade vertiginosa.”. Posso parecer cabotino, mas a citação que abre este texto é minha. A escrevi em agosto de 2019, quando resenhava “Caretakers”, álbum que Pete Yorn lançou naquele ano e do qual gostei bastante. Para esta citação fazer sentido, é preciso explicar que eu e Pete temos quase a mesma idade – eu sou quatro anos mais velho que ele. E dessa contemporaneidade vem, certamente, a sintonia em relação às impressões que temos do mundo. Além dele, Beck, Rivers Cuomo e os mencionados Ryan Adams, Jeff Tweedy e Grant-Lee Phillips estão na casa dos “enta” e poucos. Esses caras todos estão em atividade e esta percepção do mundo é elemento crucial em seus trabalhos, de um jeito ou de outro. No caso de Yorn, um nativo de New Jersey que perambulou pelo eixo-Los Angeles-Nova York por tanto tempo, retornando então à cidade natal depois de castigado pelo tempo, tal noção da passagem do tempo é decisiva. Este seu novo álbum, “The Hard Way”, calcado no folk e na objetividade das canções (oito faixas em menos de meia hora) é emblemático.

 

Em quinze anos de carreira, cinquenta anos de idade e dez álbuns lançados até agora, Pete valorizou o sentimento. Suas canções, sejam as mais roqueiras, sejam as mais folkies, têm na sensibilidade o início e o fim. Ele é um compositor bastante hábil e capaz de equilibrar influências que vão de The Smiths e New Order, passando por Tom Petty e chegando em Bruce Springsteen. Mas aqui, em “The Hard Way”, Pete não pegou delas a inspiração para as oito faixas do disco. Talvez nos momentos mais acústicos de Bruce, talvez, em discos como “The Ghost Of Tom Joad”, mas o fato é que esta opção pelo formato mais folk não é muito usual em sua trajetória. Se a memória não falha, apenas em “Westerns”, um EP lançado em 2006, ele fez semelhante opção estética e, como sempre, se saiu bem. O fato é que, ao anunciar o álbum em seu perfil de Instagram, Yorn disse que este era um trabalho que chegava após muitos anos vivendo através de grandes adversidades. Como assim? Quanto tempo? Que adversidades?

 

“The Hard Way” funciona muito bem se for ouvido numa sequência cronológica, compreendida pelos dois mais recentes trabalhos de Yorn: “Caretakers” (2019) e “Hawaii” (2022). É como se Pete fizesse um show completo com uma banda inteira apresentando esses discos e depois seguisse com uma charmosa e intimista apresentação na casa de um fã à meia-noite. Com uma produção exuberante do produtor e amigo vencedor do Grammy, Josh Gudwin, a sonoridade do álbum parece se expandir dentro do escopo acústico, dando a impressão que não se trata apenas de instrumentos desplugados. Na verdade, Gudwin sempre recorre a discretos sintetizadores, teclados e elementos eletrônicos que são colocados ao longo das faixas de forma muito sutil, contribuindo para a construção de climas e texturas, contribuindo para a grandeza do resultado final. A presença de Gudwin foi tão importante, além da produção, ele também coescreveu a maioria das canções do álbum, que Pete declarou em entrevistass que não haveria disco sem a participação de Josh.

 

São vários momentos belos ao longo dos vinte e cinco minutos de “The Hard Way”, mas, definitivamente, dois merecem destaque. “Dont’ Keep Me Waiting”, que nasce com reminiscências de instrumentos de cordas e vai seguindo com o violão acústico e uma letra que fala de saudade e relacionamentos que se misturam ao cotidiano a ponto de esquecermos que eles estão ali e que, bem, eles podem acabar. O tom da canção é de resignação diante de algo que parece imutável e que nos faz cegos de tanto ver. O outro momento é a lindeza absoluta de “Someday, Someday” (lançada em janeiro como single e co-escrita com Gudwin), que chega a evocar uma progressão de acordes semelhante à que Nick Drake usou em “Northern Sky”, faixa belíssima de seu segundo álbum, “Bryter Later”, de 1970. O dedilhado é sutil, porém forte e marcante, mostrando que há força até nas mais discretas reflexões e evocações. Além delas, as outras canções de “The Hard Way” são belas, honestas e mostram vulnerabilidade sendo assumida com coragem diante do passar do tempo.

 

Pessoalmente, como admirador do trabalho de Pete Yorn, prefiro seus álbuns eletrificados, com banda e tudo mais. Porém, vê-lo completamente desarmado dos artifícios habituais e entregue à solidão da voz com violão, me deixa intrigado. E certo de que estamos diante de um dos grandes artistas americanos surgidos da virada do milênio para cá.

 

 

Ouça primeiro: “Someday, Someday”, “Don’t Keep Me Waiting”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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