Veteranos noventistas se divertem no verão inglês
Hifi Sean e David McAlmont – Daylight
40′, 12 faixas
(Plastique Records)
Você deve estar se perguntando quem diabos é HiFi Sean e David McAlmont pra gente chamá-los de “veteranos noventistas” logo no título da matéria. HiFi Sean é, na verdade, Sean Dickson, um sujeito que você já ouviu um milhão de vezes sem saber. É dele a voz em “I’m Free”, sucesso global dos Soup Dragons, grupo do qual Dickson era vocalista e que se tornou uma das últimas grandes one-hit wonders à moda antiga. Se você estava vivo no início dos anos 1990 e, mesmo nas décadas seguintes, sabe muito bem do que estou falando. E David McAlmont, um dos grandes vocalistas ingleses da área da soul music contemporânea, formou parceria com Bernard Butler, quando este deixava o Suede. Gravaram dois álbuns em conjunto e só não estouraram por conta desses acasos misteriosos. Após muito tempo vivendo no rescaldo da música alternativa subterrânea inglesa, Sean e David firmaram parceria pouco tempo antes da covid-19 eclodir e isso os atrapalhou totalmente. Só emplacaram o primeiro – e ótimo – álbum em 2023, “Happy Ending”, cuja faixa “The Fever” entrou na nossa playlist de melhores canções gringas daquele ano. Agora, pouco mais de um ano depois, a dupla ressurge com este “Daylight”, um álbum descaradamente divertido, solar e pronto para aproveitar o verão … lá em cima. Mas, como o sistema de temperaturas por aqui parece completamente enlouquecido, dá pra aproveitar o clima do álbum por essas plagas também.
Aliás, é bom mencionar que a questão sazonal está nas mentes de McAlmont e Dickson, que já programaram um novo álbum para este ano, “Twilight”, que será lançado no primeiro dia do inverno no Hemisfério Norte, ou seja, no primeiro dia do nosso verão tropical, com canções mais introspectivas. Por enquanto, temos a celebração do sol e do calor com as faixas de “Daylight”, que soa mais como um álbum de reencontro destes dois veteranos com a produção de música eletrônica pop do início dos anos 1990, certamente um de seus momentos mais inspirados. As influências pegam beats eletrônicos de diversas procedências, synthpop, vocais gospel desencarnados, new wave e o house, tudo processado numa centrífuga generosa, da qual escorre uma maçaroca espessa que serve como elemento primordial das canções. Tudo aqui é feito sem o compromisso de servir a um propósito mais comprometido com revoluções estéticas ou declarações complexas, trata-se de um trabalho descomplicado que mira a diversão através de sonoridades familiares para uma galera que já ouviu bastante coisa na vida.
Como a maioria das obras de arte que celebram o verão na metade norte do planeta, “Daylight” é um abraço a um tempo ideal e idealizado, em que a luz mais forte do sol promoverá um efeito cascata de atitudes positivas nos seres humanos, apenas por brilhar. Ou seja, todo mundo vai sair de casa mais animado de manhã, os problemas do trânsito desaparecerão num mar de boa vontade e a ganância dos empresários será amansada pela felicidade inexplicável que tomará conta. Enquanto isso, as canções do álbum te mandam dançar como se não houvesse amanhã, como se a dança fosse um meio elevando de purificação pessoal, comunhão com o transcendental e tudo mais. A gente não precisa pegar a mensagem completa, e até podemos criticar a alienação da proposta, mas a parte sonora é tão bem resolvida e luminosa que nos impede de abraçar qualquer ceticismo mais forte. De cara, a faixa-título, abrindo o álbum, te manda abraçar outra coisa, na verdade, a própria luz do dia, a dança e todo esse clima. A partir daí, como diziam os antigos, o bicho pega.
A trinca formada por “Sun Come Up”, “Coalition” e “You Are My” já escancara as possibilidades dançantes do álbum e farão até o mais macambúzio ser esboçar um sorriso. Elas condensam essas influências mencionadas acima, com especial atenção para o uso dos synths como elementos condutores de melodias e estruturas, gerando climas festivos. “Coalition”, então, é dessas canções irresistíveis, cheia de pianos e batidas percussivas, marcando um ótimo desempenho de McAlmont no que ele sabe fazer de melhor. “Golden Hour” também é bacana, com timbres etéreos que se misturam e geram argamassa dançante, novamente alicerçada pelos floreios vocais bem postados. E o single “Sad Banger” é uma dessas músicas que comungam detalhes e citações de várias procedências, tudo isso em pouco mais de dois minutos e meio. Lá pro fim do álbum, “Celebrate” cadencia um pouco mais o ritmo e acrescenta batidas funk que funcionam muito bem. “The Show” encerra os trabalhos com certo clima que evoca os Pet Shop Boys dos anos 1980.
“Daylight” é disco de diversão, pra se ouvir logo de manhã, indo para o trabalho em busca de um bom dia. É um feixe de canções felizes, meio alienadas, ideais para por um sorriso no rosto logo cedo. Não resista.
Ouça primeiro: “Coalition”, “Golden Hour”, “Sun Come Up”, “You Are My”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.