Vanessa da Mata lança mais um ótimo trabalho
Vanessa da Mata – Vem Doce
41′, 13 faixas
(VDM)
Em primeiro lugar e resumindo tudo: “Vem Doce”, novo trabalho de Vanessa da Mata, é um discaço. Tudo por aqui é de ótimo gosto – arranjos, escolhas, composições, participações especiais – e funciona como um atestado – não que fosse necessário – de que a matogrossense é uma das mais importantes cantoras brasileiras em atividade. Ela fez a ponte entre a geração de Marisa Monte e Adriana Calcanhotto e a de Céu e Tulipa Ruiz. Moldou uma modernidade nacional muito própria, abrindo espaço para ritmos como o reggae e o pop de sotaque internacional, além de ter em seu currículo um dos álbuns mais bacanas gravados no Brasil deste século: “Esta Boneca Não Tem Manual”, de 2004. Foi com ele que Vanessa encontrou uma forma musical própria, identitária, que traz até hoje, quase vinte anos depois. Aliás, é bom lembrar: sua fórmula de música continua moderna e flui facilmente em audiências mais alternativas e no mainstream. Poucos artistas têm essa desenvoltura.
“Vem Doce” é o novo capítulo desta trajetória. Tem a mesma noção diversificada de música pop e Brasil, com espaço para contos de amor bastante peculiares, alguns protestos políticos bem-vindos e uma regravação simpática de “Comentário A Respeito de John”, de Belchior, em que ela dueta com João Gomes, artista do universo do piseiro. Vanessa tem noção de que sua música flui facilmente nesses termos do Brasil interior e maneja muito bem estas inflexões. A modernidade pop é o contraponto a esta habilidade e, quando ela acerta as medidas de ambos os lados, o resultado é quase insuperável. Foi assim com faixas como “Joãozinho”, é hoje com “Foice”. Se a primeira era uma delicada manifestação de independência feminina via corte curtinho de cabelo (era 2004), a segunda é poderosa canção de têmpera social em ritmo de afrobeat, algo que funciona plenamente no contexto atual e no panorama do álbum.
Existe uma proximidade estética entre o álbum anterior “Quando Deixamos Nossos Beijos Na Calçada” e “Vem Doce”, algo que, certamente, se deve à Vanessa produtora. As escolhas pelos timbres e arranjos certamente oferece o retrato mais preciso de suas composições, bem mais do que quando Liminha a produzia – nos três primeiros álbuns. Aqui há ainda mais fluência e exemplos dessa excelência pop que Vanessa exibe – um tanto de samba aqui, um pouco de reggae ali e por aí vai. “Me Liga” é exemplo dessa brejeirice, um samba fluente e belo, com saudade dos tempos idos de um casal “que dava inveja, de beijos loucos no meio do povo”. A faixa-título é outro exemplo de como esta habilidade pop acaba assumindo vários formatos, uma vez que, ao longo do arranjo, Vanessa opta por um fraseado jazzístico-pop, que poderia estar num álbum de Djavan. Em “Fogo”, por sua vez, temos um arranjo de reggae moderno. São várias nuances.
A outra participação de “Vem Doce” é o rapper carioca L7NNON, que faz um “flow” em “Fique Aqui”, que é uma canção mais dramática e até sensual, com o contraste das vozes bem explorado em meio à tensão da letra. Vanessa também faz uma incursão por ritmos afro-caribenhos via conexão nordestina em “Amiga Fofoqueira” e por “Menina (Deus Te Dê Juízo)”, cujo arranjo é intrincado e pontuado por cello e percussão. “Gêmeos” é outro reggae, dessa vez mais próximo do aspecto mais tradicional do ritmo, enquanto “Vizinha Enjoada” abre espaço para aquele tipo de canção que se alimenta de um “causo” popular e ganha graça e fofura no arranjo delicado. Fechando o álbum, “Face e Avesso” novamente traz pontuações de cello em meio a uma tensão maior sobre aspectos pessoais, sociais e sentimentais.
Vanessa da Mata vem lançando álbuns sensacionais com frequência. Este “Vem Doce” mostra que ela está no topo de forma artística. Ela merece mais reconhecimento como uma das figuras-chave para entender a atual geração de cantoras brasileiras. Discaço. Mais um.
Ouça primeiro: “Foice”, “Vem Doce”, “Me Liga”, “Gêmeos”, “Face e Avesso”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.