“V” traz o melhor da Maglore
Maglore – V
47′, 13 faixas
(Difusa Fronteira)
Cinco discos de estúdio, um álbum ao vivo, onze anos de carreira. Essas são as credenciais da Maglore, uma banda que se assume, orgulhosamente, como não sendo de rock. Sim, isso mesmo. Ainda que todo mundo tenha achado que o quarteto baiano sempre integrou a safra dos anos 2010 de formações de rock, seu líder, Teago Oliveira, declarou recentemente que, não, tal denominação não é precisa. Se julgarmos pela diversidade das influências que a Maglore apresenta neste ótimo “V”, seu último álbum de inéditas, dá pra dizer que rock é apenas uma delas, num balaio de pop, brasilidades tantas, psicodelia, sessentismos mil. Ouvindo algumas canções do disco, daria pra dizer que os baianos soam até como uma banda jovemguardista. O que importa é que “V” é uma prova definitiva do talento dos sujeitos, se é que isso era preciso.
A abertura do disco, com a linda canção “A Vida É Uma Aventura” traz versos matadores, que fazem mais sentido à medida que ficamos mais velhos: “A gente envelheceu, a gente superou / Cada momento em que a vida foi mais dura / Para se escrever em um final que não chegou / A vida é uma aventura“. A Maglore consegue falar desse tipo de coisa em meio a um arranjo solar, cheio de metais, cordas e guitarras em chacundum, tudo funcionando a favor da melodia, que é linda. Só nesta canção, o grupo baiano mostra uma musicalidade exuberante, além de uma bem justificada liberdade para brincar com influências sonoras mil. Ou seja, o rock também está presente, mas a amplitude sonora é tanta que ele é só mais um detalhe aqui ou ali. E esta tranquilidade em brincar com sonoridades pop diversas é o grande trunfo do disco.
Gravado no estúdio mineiro Ilha Do Corvo, “V” é um disco perfeitinho. São treze faixas harmoniosas, sem desperdício e cheias de achados poéticos e melódicos, que surgem naturalmente ao longo do percurso. Em “Amor de Verão”, a segunda faixa, o grupo brinca de misturar um groove mais soul com influências beatle psicodélicas, que vão surgindo nos metais e nos efeitos que se impõem mais para o fim da canção. Em “Espírito Selvagem”, uma levada que mistura tanto Roberto Carlos em sua fase soul quanto Terno, a banda faz o vai-e-vem presente-passado com desenvoltura dos grandes. O refrão é matador e está entre os melhores da música nacional nos últimos anos: “Eu sou assim há séculos atrás / Nos olhos do meu filho vejo o rosto do meu pai / Não tenho guerra com ninguém / Nem vendo solução / Sou espírito selvagem sem buscar aprovação”.
A lindeza que é “Talvez” amplia essa brincadeira com o pop sessentista mais lírico e singelo. O arranjo é puro “Til There Was You”, dos Bealtes, envolto por guitarras funky brincando sob o sol. Até as preocupações sistêmicas com o mundo e a humanidade que aparecem em “Eles” estão muito bem postadas, novamente numa letra maravilhosa, mostrando a ótima fase de Teago como compositor. Há um pouco de “Clube da Esquina” em “Vira-Lata” e “Outra Vez”, postadas no meio do álbum, falando sobre o amor e suas perspectivas no cotidiano das pessoas, sejam elas boas ou ruins. Há uma aura folk-belchioriana em “Transicional”, misturando ações da vida comum e reflexões existenciais que caminham em direção ao rumo inexorável do amor, como redenção ou consequência, com direito a letra cinematográfica “O chão de tacos do apartamento / Quadros pra decorar”. “V” deixa o ritmo cair um pouco na trinca de canções “Amor Antigo”, “Revés de Tudo” e “Medianias”, mas recupera a força com a análise de conjuntura que é “Maio, 1968”. E “Para Gil e Donato” fecha o álbum com lirismo e conexão, num belo arranjo com violão, voz e cordas.
“V” é um disco maravilhoso e digno de uma das mais importantes e consistentes bandas brasileiras. A Maglore é uma força criativa que merece atenção e toda a visibilidade que vem tendo ao longo do tempo. Parabéns.
Ouça primeiro: “A Vida É Uma Aventura”, “Amor De Verão”, “Espírito Selvagem”, “Talvez”, “Eles”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Gosto muito dessa banda, até o ” Todas as Bandeiras “, saíram em cd, tenho todos, mas, infelizmente esse V, não lançaram em cd, então, nem vou escutar, a banda, pra mim, acabou no 4º disco. Fazer o quê ? Sou assim e ponto final !!