1º Festival Pelas Bandas da Uerj

 

Teatro Odylo Costa Filho, Rio de Janeiro, 26 de setembro

 

Choveu torrencialmente no Rio no dia 26 de setembro. Sabemos bem que isso afugenta a maioria das pessoas dispostas a sair de casa para qualquer coisa, bem como desencoraja aquela esticadinha depois do trabalho. A gente quer mais é ir pra casa, tomar um banho e esquecer da vida. Mas, como já dizia Jorge Ben, que nada. Era dia de celebrar o 1º Festival Pelas Bandas da Uerj, que oferecia o show de premiação para a banda vencedora, além de trazer três artistas do Rio de Janeiro para dar uma força.

 

Digo “dar uma força” porque, claro, não havia dinheiro envolvido. Havia dedicação, garra, disposição e a crença de que a universidade pública é um espaço para, não só propagar o ensino, como a cultura e o bem estar das pessoas. Porque show de música é bem estar. E deu orgulho de fazer parte disso tudo ao ver quatro artistas muito competentes e dedicados, cada um em seu estilo, dando sua contribuição para o evento.

 

A banda premiada pelo Concurso Pelas Bandas da Uerj foi Renatto Cinelli e os Unicórnios Leguminosos. Performáticos, dançantes, coloridos, cheios de influências que vão de B-52s a Blitz, passando por Mamonas Assassinas e um monte de referências ao imaginário dos programas de auditório, mas sem deixar a parte musical de lado, eles abriram os trabalhos com uma apresentação cheia de gás. Teve dança, teve performance, teve plateia na palma da mão, teve de tudo. E vai ter o prêmio a que fizeram jus: um videoclipe a ser produzido pela TV Uerj e o Centro de Tecnologia Educacional da Universidade. Se esbaldaram e com toda a razão.

 

Em seguida, dando início às apresentações dos artistas convidados, veio o sensacional Manoel Magalhães. Pra quem não sabe, o sujeito teve bandas de curta existência, mas com fã clube dedicado: Columbia, Harmada e Polar, todas com uma sonoridade que enfatizava a emoção das letras e o sentimento de Manoel ao interpretar. Dono de voz calma, gentil, ele passeou por um pop-rock, ora com teclados, ora com guitarras, para chegar ao que faz hoje: uma versão competente, sentimental e engajada do que entendemos por alt-country, ou melhor, por uma variante disso, embebida em sua sonoridade própria e pessoal. Seu último disco, “Consertos em Geral”, foi destaque na lista de melhores de 2018, inclusive aqui da Célula. O cara tem projetos em andamento, vale ficar de olho nele.

 

Pouco depois, Alan James e banda subiram ao palco. Viravam a chave para o pop-rock de ascendência beatle, com pitadas generosas de Beach Boys e referências de Clube da Esquina, especialmente Beto Guedes e Lô Borges. Alan tem voz jovial, tempera com entusiasmo as levadas sólidas da banda, com incursões pela Jovem Guarda, com direito a cover de “Você Não Serve Pra Mim”, de Renato Barros, interpretada por Roberto Carlos em seu seminal “Em Ritmo de Aventura”, de 1967. Além disso, Alan desfilou seu repertório com vigor, passando pelo seu hit “Menina do Quintal” e pela encrespada “Baby Let’s Go”, com desenvoltura e galhardia.

Fechando a noite, os Djangos tomaram o palco e convidaram os presentes para a dança. Marco Homobono, JJ Aquino e Lyle Diniz, com o auxílio luxuoso de metais, engataram a marcha de seu ska-punk engajado e foram adiante, lembrando o primeiro disco da banda, “Raiva Contra o Oba-Oba”, de 1998, que se tornou um clássico cult carioca. Passaram pelo repertório central do álbum, com destaque para a faixa-título, “O Último Ônibus da Madrugada” e a sensacional “Sopa de Jornal”, dos tempos em que ainda eram Kamundjangos e surgiram pro mundo a bordo da coletânea “Paredão”. O grande destaque foi a versão furiosa para “Comportamento Geral”, de Gonzaguinha, na qual Homobono fez questão de enfatizar o ano da composição – 1972 – e lamentar pela triste atualidade da letra, que fala da submissão do empregado ao patrão e da desigualdade reinante. No fim, saudou a força da universidade pública, já tendo mandado um “fora, Crivella!” no meio do show.

Com garra e espírito elevados, bandas, músicos de apoio e os funcionários da Uerj mostraram que, sim, dá pra fazer da universidade pública um espaço para shows e diversão. Falta que os artistas se engajem e se disponham a vir e se apresentar. Vontade há e a coisa pode crescer. Este show é histórico e pode ser o primeiro de muitos.

 

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *