Glue Trip visita a música brasileira setentista

 

 

 

 

Glue Trip – Nada Tropical
39′, 9 faixas
(Glue Trip)

3.5 out of 5 stars (3,5 / 5)

 

 

 

 

 

Em termos musicais e sonoros, dá pra colocarmos o Glue Trip e o Tame Impala na mesma caixinha. Assim como o grupo australiano, a galera de João Pessoa, Paraíba, tem na psicodelia do século 21 o seu parâmetro. A revitalização de estéticas coloridas, viajantes, sonhadoras, devidamente embaladas em tics e tacs líquidos dos dias atuais é o que está em pauta por aqui. No caso específico de “Nada Tropical”, o segundo álbum do Glue Trip – fora um EP – a ideia é misturar essa abordagem com influências brasileiras dos anos 1970 e início dos anos 1980, com ênfase na música que se tornou privilégio de poucos durante muito tempo e que, de uns anos pra cá, vem sendo revista e adotada por muita gente jovem, tanto fãs quanto fazedores de arte. No caso do grupo paraibano, a influência sonora se torna conceito ao longo do disco, uma ideia que permeia todas as nove faixas. É legal, bem tocado e tem participação de um dos pais sonoros daqueles tempos, o maestro Arthur Verocai, mas, talvez para ouvidos um pouco mais calejados, a homenagem dos rapazes soe um pouco, digamos, excessiva e ingênua, o que não inviabiliza ou diminui o mérito do álbum. Vejamos.

 

Em entrevistas recentes, Lucas Moura, o guitarrista, vocalista e líder da banda, enalteceu álbuns clássicos da música nacional, como “Transa”, de Caetano Veloso, e “Clube da Esquina”, de Lô Borges e Milton Nascimento, o que mostra uma dedicada atenção a estas sonoridades revalorizadas, mas que não vão muito além do que dez entre dez artistas antenados costumam mencionar aqui e ali. Ainda esperamos por gente que chegue e diga sobre outros discos e artistas daquela época, indo um pouco além das referências que todo mundo recita, mas isso talvez seja algo além da música, certo? Olhar para a sonoridade da música nacional dos anos 1970 aqui é, acima de tudo, dar chance a uma novíssima geração de ouvintes – fãs do Glue Trip – de entender e presenciar aquela magia pelas mãos de recicladores e tradutores, papel assumido pela banda em “Nada Tropical”. Se há um preço que o grupo paga no álbum é de soar como um mero reprodutor de uma estética já feita antes mas talvez seja muita exigência querer algo muito além disso, neste caso específico.

 

 

Tal fato se reflete, sobretudo, nas letras de algumas canções, o que sugere que “Nada Tropical” talvez merecesse uma versão totalmente instrumental, que realçaria a musicalidade e os detalhes dos arranjos. Por exemplo, na letra de “Marcos Valle”, Moura canta: “Ouvi Marcos Valle bebendo demais, fumando demais. Eternas lembranças do verão da lata”, um verso que poderia ser melhor, convenhamos. As letras em inglês também não ajudam muito, evocando os estados lisérgicos e entorpecidos puros e simples, pouco diferenciando das outras criações da banda feitas previamente. O arranjo da própria “Marcos Valle” é muito bem feito, certamente mil vezes melhor que a letra da canção, antecipando um jogo que toma conta das outras faixas, resumido na tentativa de prestar atenção nos instrumentos apesar das palavras, algo que não é bom para o ouvinte.

 

 

“Lazy Days”, com arranjo de Arthur Verocai é outro exemplo. As cordas tocadas pela orquestra do maestro são tão bem feitas e funcionam tão bem na canção que as palavras chegam a atrapalhar a audição. “Bessa Beat”, com Otto, tem um ótimo groove caetânico setentista, mas não de “Transa”, chegando a lembrar mais “Odara”, que estava em “Bicho”, disco que Caê lançou em 1976 e que merece ser amado e citado muito mais que “Transa”, por exemplo. Nesta canção os vocais jogam a favor do todo, resultando, talvez, no melhor momento do álbum. “Tempo Presente”, logo na abertura, também é uma belezura de canção, com ótimas intervenções de órgão e boa levada de bateria, outro momento em que os vocais não atrapalham, pelo contrário. Mas há momentos fracos, especialmente no fim do álbum, como “Levinha”, “Relax Man” e “Gergelim”, que entram no time das canções que seriam melhores sem letra. No fim do álbum, “Nada Tropical”, a canção, recoloca o barco nos trilhos.

 

“Nada Tropical” é um esforço criativo e coletivo de uma banda promissora, reverenciando boas influências e experimentando com segurança. Que esta brasilidade permaneça nos próximos trabalhos, amadurecendo e revelando novos traços da Glue Trip. Estão no caminho certo.

 

Ouça primeiro: “Lazy Dayz”, “Bessa Beat”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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