Bate-Papo com Cèu: “Sim, sou uma cantora veterana”

 

 

A entrevista coletiva com Céu é remota, como manda o bom senso pandêmico. Na sala virtual, vários colegas de veículos de naturezas diversas, o produtor Marcos Preto e ela, Maria do Céu Poças, mais conhecida como Céu. Simpática, solícita e feliz por poder conversar sobre seu último trabalho, “Um Gosto de Sol”, Céu parece estar disposta a falar sobre várias sensações, detalhes e até situações extra-disco. Ela vai respondendo as perguntas com gentileza e generosidade, jamais abreviando falas, oferecendo aos colegas jornalistas um material com o qual podem informar seus leitores com precisão. Céu está curtindo esta onda de intérprete e isso é evidente.

 

Não que “Um Gosto de Sol” seja seu primeiro passo nessa direção. Ela mesma lembra que já gravou várias versões em diferentes álbuns de sua carreira, de Bob Marley a Baby e Pepeu, passando pelo grupo paulistano Fellini e outros vários autores. Céu curte essa coisa de se apropriar do trabalho alheio no melhor dos sentidos, conferindo a eles a sua cara e personalidade. Suas referências em “Um Gosto de Sol” são amplas, cobrem tempos imemoriais, quando era apenas a adolescente que gostava de cantar, passando pela moça que foi pesquisar referências artísticas em Nova York no fim dos anos 1990, se tornando vizinha do beastie boy Adam Yauch, chegando na cantora e compositora talentosa que surgiu no início dos anos 2000 como uma nova cara da música nacional. Céu é modernidade constante e ela nem quer evitar isso.

 

Pergunto se ela se sente uma veterana e tem lugar uma necessária distinção entre cantora, intérprete e compositora. Na verdade, minha pergunta foi imprecisa, eu deveria ter explicado melhor, mas ela responde a tudo: “Sou uma compositora e nisso me sinto veterana. Como intérprete das minhas próprias músicas, também, porém, como intérprete das obras de outras, ainda que eu já tenha gravado várias versões ao longo da carreira, agora, com este disco, eu noto que há algo de diferente acontecendo. Mas, sim, eu me sinto veterana”. Eu ainda pergunto qual a canção teria sido mais trabalhosa para gravar e ela crava a faixa-título. “‘Um Gosto de Sol’, a canção, foi difícil de gravar. O arranjo ficou bonito, mas deu trabalho e o Andreas – Kisser, que tocou os violões do álbum – encontrou uma solução legal”.

 

Céu teve a sorte de contar com a família para fazer o álbum. O marido, Pupillo, produziu e o pai, o maestro Edgar Poças, também opinou e sugeriu. Foi dele a ideia dela registrar “Ao Romper da Aurora”, de Ismael Silva, de quem – ela conta – o pai foi amigo por muito tempo. Outra questão interessante surge sobre a escolha de “Feelings”, composta e gravada por Morris Albert no início dos anos 1970 e que já teve versões de gente tão distinta como Nina Simone e Offspring. Ela admite que há um certo tom de drama na canção, que ela foi sugestão do produtor Marcus Preto – que concorda sorrindo em silêncio – e que ela se sentiu com muita responsabilidade por gravar uma canção que tem um espectro tão amplo e significa uma forma exagerada de falar de amor.

 

Outra faixa que ganha atenção é “Criminal”, de Fiona Apple: “Eu era adolescente, tinha uns 15 anos quando vi a Fiona Apple, linda, sentada naquele pianão, cantando essa música, cheia de raiva, adolescente ainda. Eu sempre gostei dela e foi uma das últimas canções a entrar no disco. Veio num dia que eu estava ouvindo umas playlists minhas e … pronto, vou gravar Fiona!”.

 

Feliz e realizada, Céu só não soube responder uma pergunta e foi uma que me ocorreu em meio à coletiva já iniciada. Ao ouvir sua versão para “I Don’t Know”, dos Beastie Boys, notei uma citação à melodia da introdução de “Amigos Para Siempre”, gravada por José Carreras em 1992. Perguntei de quem teve a ideia da citação e ela disse, com franqueza: “Eu não sabia disso! Deve ter sido coisa do Andreas, vou até perguntar aqui no nosso grupo”.

 

Claro que meu ouvido pode ter me enganado mas, se a citação foi feita de forma consciente, caiu perfeitamente na bossa-nova original da gravação dos americanos e deu à versão de Céu uma camada a mais de drama e beleza. Uma brasileira refazendo a bossa que os americanos rappers compuseram a gravaram. Está tudo no mundo e ele está ao alcance das mãos e da criatividade de Céu. Ela é uma jovem e talentosa veterana.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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