Scalene – Respiro
Gênero: Rock, alternativo
Faixas: 13
Duração: 36 min.
Produção: Diego Marx
Gravadora: Slap
Para uma quantidade considerável de gente, o Scalene surgiu numa edição do Superstar, programa global de “descoberta de novos talentos”. Este fato fez com que a banda de Brasília, que já tinha carreira então, chegasse a uma posição de relativa visibilidade no combalido e desértico mainstream do rock nacional. Agora, alguns anos depois, o grupo chega ao quarto disco, este simpático “Respiro”. É engraçado notar como algumas pessoas ainda se revoltam quando um artista deseja mudar algo em sua carreira, dando origem a uma nova etapa no seu trabalho. São os mesmos que, mais adiante, vão cobrar alguma novidade, criatividade ou algo assim do mesmo artista. No caso de “Respiro”, o Scalene está mudando sensivelmente sua receita de fazer música e adentrando corajosamente novos terrenos. E isso é ótimo.
Para dar uma ideia do que isso significa, a faixa de abertura, “Vai Ver”, tem presença de Hamilton de Holanda e seu cavaquinho. A quinta canção, “Esse Berro”, tem participação de ninguém menos que Ney Matogrosso. “Furta Cor” tem a cantora Xenia França, dois sinais nítidos de que o Scanele percebeu o momento de pobreza e mesmice pelo qual passa o rock e investiu tempo e atenção neste ressurgimento da música brasileira de matriz popular como fonte de inspiração. Claro, a banda não deixou de lado sua verve coldplayana de enxergar a música, mas mistura a ela tonalidades, timbres e abordagens que tornam suas composições muito mais interessantes e estranhas, algo extremamente raro na música pop nacional. Não há refrãos ao longo de “Respiro”, é tudo meio complicado, torto, esquisito e híbrido, cheio de eletrônica como meio de viabilização de arranjos e sonoridades, revestindo as faixas com conceito e contexto, algo bem interessante.
Além disso, desta despachada no rock, um aceno a uma bem-vinda tonalidade política no plano pessoal. Ela se traduz discretamente, no pedido por menos tempo no celular, no olhar mais doce em relação ao outro, à própria iniciativa da banda em abraçar novos terrenos e em versos como os de “Ciclo Senil”: “Você quer mudança mas não quer ter que mudar também” ou “massa bipolar, nem sabe o que já aplaudiu”. É simples, é isso e a novidade é inimiga das pessoas que são criticadas por letras, versos e posturas como as do Scalene. Faz sentido.
A produção – a cargo de Diego Marx – confere este tom preciso de estranheza convidativa, de escuro/penumbra e de música que exige atenção do ouvinte, tornando “Respiro” um disco feito para ouvir com fones, com máxima atenção. Quem fizer isso terá belezuras garantidas ao longo do percurso. Além da jás citadas “Vai Ver”, “Esse Berro” e “Ciclo Senil”, há lindeza entre os dedilhados de guitarra de “Sabe O Que Foi?” e no refrão onipresente de “Quero Ver” (“seu peito está com fé pra enfrentar este desespero?”), e nas duas vinhetas instrumentais que surgem como descompressão imperceptível em meio às faixas. No fim, “O Que É Será”, com melodia pungente, arranjo de píano e voz, dá a profundidade que o disco merece.
“Respiro” é uma inesperada chegada a um novo nível artístico por parte do Scalene. Eles devem saber o quanto estamos necessitados deste tipo de movimento no momento atual do país. Belezura.
Ouça primeiro: “Ciclo Senil”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.