Steven Wilson e o progressivo progressista

 

 

 

Steven Wilson – The Future Bites

Gênero: Progressivo, eletrônico

Duração: 42 min.
Faixas: 9
Produção: Steven Wilson e David Kosten
Gravadora: Caroline

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

Quem é fã de progressivo sabe quem é Steven Wilson. Ou deveria. Me refiro aos fãs esclarecidos do estilo, que não pararam nos anos 1970 ou, no máximo, chegaram até os álbuns oitentistas do Marillion. Sabemos como o rock pode ser conservador quando falamos de gente que fica parada no tempo. Os que entendem a música como algo em movimento, certamente conhecem o grupo que Steven fundou no fim dos anos 1980, o Porcupine Tree. Desde então, o músico inglês não parou mais de produzir. Como ele mesmo tem uma visão bem progressista do progressivo – trocadilho que eu não evitei – sua música reflete esta contínua brisa de criatividade e atenção ao mundo que nos envolve e, evidentemente, nos pressiona. O mais novo ato de sua carreira vitoriosa é “The Future Bites”, seu sexto e novíssimo disco solo, que chega agora aos serviços de streaming.

 

Se você conhece o homem, sabe que não deve esperar revisionismo de qualquer espécie, mas, claro, como fã de bom pop e com referências múltiplas, Steven tem uma paixão interessante pelo synthpop, o termo da vez para definir o pop feito com base em sintetizadores, teclados e programações. A mistura dessa abordagem moderninha com a bagagem de Wilson resultou num disco com sonoridade que lembra os momentos mais eletrônicos de gente querida como Tears For Fears ou mesmo Peter Gabriel, sem falar no revestimento conceitual que o álbum exibe. A ideia aqui é falar da comercialização absoluta da vida, de como, dependendo das circunstâncias, com o devido apoio de marketing, seria possível vender até ar engarrafado. Pra dar profundidade à ideia, Wilson lançou um site com o nome TFB, no qual estão à venda, além do merchandising do disco, versões deluxo e tudo mais, rolos de papel higiênico, latinhas vazias, fitas cassete, furadores de papel e toda uma linha de produtos de utilidade questionável ou duvidosa.

 

Steven é ateu e vegano. Mora com a esposa e adotou as duas filhas dela. É recluso e observa o cotidiano. Não parou no tempo. Seu álbum tem vários momentos interessantes e, de fato, tem uma pegada pop irresistível, no sentido do pop bem produzido e pensado, que vai além das produções atuais que também se inserem no verbete. Há vários momentos memoráveis ao longo de suas nove faixas. “12 Things I Forgot” é a faixa mais clássica do álbum. Com arranjo tradicional de baixo, bateria, guitarra e teclados, ela tem a estrutura convencional e melodia exuberante, com letra que já vai falando sobre a passagem do tempo e como ela afeta a gente em níveis pessoais: “There was a time when I had some ambition/Now I just seem to have inhibitions” mas, logo adiante ele nega a nostalgia: “Cause I forgot/There’s so many things that I pretend to you I’m not”. É pop literato na medida do possível.

 

Mas a alardeada mistura de eletrônica e timbres sintetizados? Chega em vários momentos ao longo das nove faixas. “Man Of The People” tem arranjo que evoca algo que poderia ter sido pensado por Peter Gabriel em “So”, seu ótimo disco de 1987, e logo vai se mesclando a uma abordagem padrão Tears For Fears de canção contemplativa. Tudo belo e bem feito. “Follower”, por sua vez, tem levada rápida, baixo sintetizado e nítido talhe para estádios e grandes espaços, com refinamento melódico evidente e intervenções eletrônicas bem legais. E a grande obra – não só na duração de quase dez minutos – do disco: “Personal Shopper”, que tem pinta de produção de Giorgio Moroder com inflexões de Krafwerk oitentista, mas com vocais que levam a coisa para outro lado.

 

“The Future Bites” ainda tem um EP com o título de “B-Sides Collection”, com grandes, sensacionais momentos. “Eyewitness”, a canção que abre os trabalhos, tem levada aerodinâmica e ótimo arranjo de timbres eletrônicos que evocam algo dos anos 1990. “In Floral Green” vai pelo outro lado, com uma aura floydiana de teclados, vocais desconexos e andamento mais tradicional. “Move Like A Fever” é 100% eletrônica, com batidas e cascatas de teclados sobre um andamento movido a pianos dramáticos. E, encerrando os trabalhos, um remix dos alemães do Tangerine Dream para “Kinbg Ghost”, conferindo dramaticidade e escuridão à canção.

 

Esta visão “progressista do progressivo” faz do estilo uma interessante maneira de denunciar as agruras do mundo. Wilson conseguiu misturar eletrônica, tradição, visões da vida moderna com inflexões à la Black Mirror e se saiu com um belo trabalho. Esclarecido, arejado, necessário. Uma beleza.

 

Ouça primeiro: “12 Things I Forgot”, “Personal Shopper”, “Man Of The People”, “Follower”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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