Roberta Campos – Com o Afago do Tempo

Eu acho muito legal saber que tem pessoas de vários tipos, classes, culturas que se identificam com o meu trabalho – Roberta Campos

A cantora e compositora mineira Roberta Campos é um caso raro na lógica da música brasileira do século 21. Dona de obra autoral, calcada no folk rock universal com pitadas de Milton Nascimento, Beto Guedes e Nando Reis, sem perder de vista a noção pop de um Kid Abelha em momentos mais contemplativos, ela conseguiu sobreviver ao desmanche do mainstream nacional,  mantendo-se firme com sua carreira. Com três discos de canções próprias e algumas boas versões, Roberta chega agora aos dez anos de carreira e lança um DVD comemorativo, “Todo Caminho É Sorte”, no qual celebra, além de sua trajetória, sua vida, influências e tudo que a faz subir num palco e cantar para as pessoas.

Bati um papo com ela sobre como ela se vê em meio à música produzida no país hoje, suas influências e o presente.

– Vamos falar um pouco do seu DVD ao Vivo, “Todo Caminho É Sorte”? Como foi a escolha do repertório?

As músicas foram fáceis de escolher, eu já tive 18 músicas em trilhas de novelas. Elas não podem faltar nos shows, ficou fácil escolher. “De Janeiro a Janeiro”, “Felicidade”, “Casinha Branca”, “Abrigo”…Eu já tinha prontas, “Todo Dia” e “Dois Flamingos”…Foi a chance de mostrar elas pro público. Também tinha muitas canções que queria trazer de volta, “Rio Sem Água”, “Eu Fico”, fazia tempo que eu nem cantava nos shows, além de “My Love”, que é releitura do Paul e da Linda McCartney, que representava um momento bem feliz da minha vida. Esse DVD é um marco na minha vida, porque ele representa muito pra mim, eu vim de Caetanópolis (no interior mineiro) uma cidade pobre, de uma família pobre, era muito difícil pra essas informações chegarem. Eu olho pra trás, há várias conquistas,coisas que eu sonhei muito e consegui: música em novela, música em rádio…Levar o meu show para lugares onde eu nunca fui…Fico feliz quando vejo isso e o DVD é uma comemoração de 10 anos de carreira discográfica. Eu fiquei nervosa porque eu tive uma faringite uma semana antes de gravar o show! (risos) Ele foi gravado numa única noite no Teatro Porto Seguro, em São Paulo. Eu escolhi São Paulo porque é minha casa, eu moro lá. Morei em São Paulo por quinze anos e voltei ano passado.

– Você é uma artista que tem noção da importância do single hoje em dia. Como você lida com esse tipo de produção? É mais fácil que um disco inteiro ou o esforço acaba sendo equivalente?

O mercado de hoje apresenta o mais o single pras pessoas e esse é o caminho mais interessante dentro disso. Eu venho pensando bastante em privilegiar o single, as pessoas estão com uma forma diferente de ouvir música, é mais interessante de trabalhar. Você pode investir na gravação, num clipe, focar mais numa música só.

– Você gosta de fazer versões. Ano passado fez “Quase Sem Querer”, da Legião e “My Love”, do Paul McCartney. O DVD traz também “Casinha Branca”, clássico setentista do Gilson e “Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor”, dos irmãos Lô e Marcio Borges. Como você escolhe essas canções?

São canções que me tocam, sempre tem um porquê. “Casinha Branca” tem um significado bacana pra mim, eu tinha 4 anos e meu tio cantava essa música no violão. Eu encontrei o Gilson (autor da canção) uma vez e agradeci a ele. Essa música me levou pro violão, me iniciou. Quando eu gravei “Todo Caminho É Sorte”, eu queria mostrar ainda mais a minha essência, foi um encontro comigo mesmo, a música tem esse significado pra mim. Por muito tempo foi a minha música preferida. Hoje eu acho que “Do Sétimo Andar”, dos Los Hermanos, talvez seja a minha música preferida. Eu adoro o “Ventura, terceiro disco dos Los Hermanos. Quando eu participei do “Ventura Sinfônico”, eu queria morar dentro dessa gravação.

– Suas canções e sua própria imagem como cantora, compositora e intérprete apontam para uma pessoa extremamente doce, empática e legal. Você é assim mesmo?

Eu fiquei feliz de ouvir isso! As pessoas falam que eu passo uma paz, que eu sou de boa, e eu sou mesmo bem tranquila…Adoro pessoas, sou muito na minha. Acho que eu sou bacana com elas…As pessoas gostam. Meu dia ficou mais feliz!

– O amor e o sentimento parecem ser temas centrais nas suas composições. Além deles você tem mais algum assunto que aborde com frequência?

Eu tenho tido muitos encontros com “meu outro eu” nas minhas músicas. Eu te dou um exemplo: “Amiúde’, que eu gravei com Marcelo Camelo e Marcelo Jeneci, é uma música que eu falo com meu outro eu, mas parece uma música de amor, de uma pessoa falando pra outra. Eu precisava ouvir outra voz, mas era a minha – entende? Era meu outro eu meio nervoso comigo. Eu gosto de falar comigo mesma. A composição pra mim se tornou uma forma de falar comigo. O violão funciona como um terapeuta – e eu falei com a minha terapeuta mesmo e ela sabe (risos).

– Você tem três discos de estúdio. Tem algum preferido?

Eu gosto de todos, cada um marca um momento. O “Para Aquelas Perguntas Tortas”, de 2008, foi independente, eu queria muito mostrar as minhas músicas. A Duda Monteiro na época gravou uma música minha e eu recebi por isso. Com esse dinheiro eu comprei um equipamento bem básico e gravei as músicas na sala do meu apartamento, que ficava na rua Frei Caneca (em São Paulo) e fiz tudo. Comprei impressora, fiz encarte, pesquisei programa pra gravar, fiz o meu disco sozinha. Resolvi levar pra Nova Brasil, a rádio me ligou, dizendo que gostou do disco e que iam tocar uma faixa, “Varrendo a Lua”. A mesma rádio me apresentou pra Deck…E eu estou lá até hoje. Esse disco me abriu as portas, me mostrou que eu tenho coragem. Eu também tenho carinho pelo “Todo Caminho É Sorte” de 2015, no qual eu quis retornar a esse clima básico, de violão. Mas o primeiro foi o disco que me puxou, que me disse “seja como for, faça bonitinho”.

– Quais suas influências como artista? Quem você admira, quem você ouve?

Eu amo Beatles, Bob Dylan, Joni Mitchell, Neil Young. Gosto de Coldplay, John Mayer, tô sempre procurando coisas. Daqui eu gosto muito da Elis, do pessoal do Clube da Esquina, Beto, Lô Borges, 14 Bis, Djavan, Toninho Horta, Djavan, Los Hermanos, Marisa Monte – eu falo que eu aprendi a cantar com ela – eu falo. Um dia eu pedi pra minha tia trazer o Cor de Rosa e Carvão de Belo Horizonte, eu ouvi esse disco demais. O meu começo como cantora foi com ele, aprendi a abrir vozes, fazer vocalises…Também ouvi muito Kid Abelha, que trouxe essa pegada pop que eu tenho…Paralamas e Legião…

– Seus shows alternam capitais e cidades do interior, tocando muitas vezes em espetáculos ao ar livre com entrada franca. Como é tocar para públicos distintos assim?

Eu adoro! Eu acho muito legal saber que tem pessoas de vários tipos, classes, culturas que se identificam com o meu trabalho. Essa experiência é fantástica, tocar ao ar livre, não precisar pagar pelo show – é muito gratificante. Fazer show é a melhor parte do que a música me proporciona! Cantar me ajudava muito quando eu era tímida – hoje eu sou uma falsa tímida (risos) – todo mundo já percebeu (mais risos)! Eu tenho esse jeito mais tímido mas eu falo o que eu quero, talvez seja uma coisa de signo – capricórnio, com ascendente em aquário – eu fico mais na minha. Não é timidez, é meu jeito.

– Como você vê a atual produção pop nacional?

O mercado mudou muito. O jeito de fazer as coisas hoje é diferente. Acho que tem muita gente boa indo muito bom. Eu gosto muito do Vitor Kley (cantor e compositor gaúcho), as músicas dele têm uma letra bacana, melodias lindas. Depende do artista se adequar a esses novos formatos, se adaptar. A diferença mesmo é que economicamente as coisas ficaram mais restritas – de você não levar show completo, mas acho que rola oportunidade do mesmo jeito que antigamente.

– Você é uma artista que teve a carreira impulsionada pela Internet ainda nos anos 2000. Como acha que funciona isso hoje? As oportunidades ainda estão aí para quem tem talento?

Eu acho que a Internet é muito importante pro artista hoje. As pessoas divulgam muito os shows, as novidades, tudo na Internet. Há pessoas que formaram seu público só na Internet. A Mari Nolasco (youtuber paulista) gravou um disco e tem uma música minha, “Fico Só”, ainda inédita. Ela tem milhões de seguidores nas redes…os shows lotam. Tem a ver com se adaptar aos novos formatos e oportunidades. Ana Gabriela, Gabriel Elias, são youtubers que estão gravando disco, começaram a compor, gravar. Shows lotados…

– Voltando ao DVD, você tem alguma interpretação nele que mais goste?

Eu gosto muito de “E Eu Fico, que é um blues. Gostei muito do arranjo, eu acho que canto ela legal. É um jeito diferente de empostar a minha voz, me tira da zona de conforto, do lugar que eu estou acostumada a cantar.

– Se você pudesse escolher alguém para fazer um dueto contigo, quem seria? E em qual canção?

Ah, eu escolheria o Djavan! Eu amo o Djavan, eu cantaria com ele “Faltando Um Pedaço”…Eu chego a sentir o cheiro da minha casa… Eu morava com a minha avó quando tinha 11 anos e essa música me leva de volta pra lá.

– Como você está vendo a situação atual do país? Isso te afeta como compositora?

Tá bem complicado, né? Eu acredito que a gente vai dar uma respirada em algum momento. Eu fico muito triste porque atinge a mim como pessoa e como artista, quando não consigo meu show com minha banda, sei que é por conta de restrição de gastos, tenho viajado muito sozinha. Eu fico muito triste pela desigualdade, sei que eu sofro bem pouco se comparar com pessoas que têm uma vida muito mais precária, humilde. Eu estou bem triste com o Brasil, mas tenho a esperança que a gente possa sair disso, que seja logo, que cada um continue fazendo a sua parte, amando ao próximo, ficando de olho, aproveitando a oportunidade de escolher os candidatos…As pessoas se apegam muito a partidos. A gente tem que se juntar pra mudar as coisas pra todo mundo, buscar o que é justo.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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