Primal Scream – Maximum Rock’n’Roll – The Singles
Gênero: Rock alternativo, Eletrônica
Duração: 117 min
Faixas: 31
Produção: Vários
Gravadora: Sony
A história do rock está cheia de bandas geniais que, por conta de vários motivos alheios à sua própria obra e carreira, foram eclipsadas em seu momento de maior criatividade por outros artistas e grupos, que tiveram mais sucesso e reconhecimento. Este é, claramente, o caso do Primal Scream em relação à década de 1990. A banda escocesa, que evoluiu de uma formação de rock alternativo guitarreiro, típica da cena C-86 britânica oitentista, para um combo psicodélico/eletrônico/dub em poucos anos, é um caso clássico dessa injustiça histórica. E como bons historiadores que somos, recorremos a provas materiais da genialidade de Bobby Gillespie e companhia, com a intenção de provar seu valor para as novas gerações. Para isso, documentos como a generosa coletânea “Maximum Rock’n’Roll” são
indispensáveis.
São 31 canções que cobrem toda a carreira do Primal Scream. Desde “Velocity Girl”, que soa como uma gota de orvalho gelado na testa do ouvinte, tamanha sua delicadeza de guitarras fluidas e smitheanas, lançada pela banda nos idos de 1986, até os dias de hoje, mostrando, sem maquiagens, a evolução impressionante que o grupo vivenciou. Aliás, é bastante divertido ver as quatro primeiras canções, que mostram, justamente, este Primal Scream inicial e ingênuo. Destas, a beleza rock de “Ivy Ivy Ivy”, que tem refrão dançante, levada aerodinâmica e guitarras crocantes, é, sem dúvida, um achado arqueológico digno de Indiana Jones. A passagem dela para a canção seguinte, “Loaded”, soa como se transcorressem uns 30 anos. A levada percussiva, cheia de pianos que decalcam samples dos pianos de “Sympathy For The Devil”, dos Stones, é o embrião do que a sonoridade do Primal Scream se tornaria. Aqui, em pleno segundo verão do amor, a banda já havia incorporado esta nova identidade, que a definiria a partir daqui e “Screamadelica”, seu disco de 1991, resume tudo isso.
Tudo parece extremamente bem construído e pensado quando chegamos ao momento dourado suspenso no ar que é “Come Togheter”, simplesmente uma das melhores canções da história do rock britânico. Aliás, todas as faixas pinçadas de “Screamadelica” soam perfeitas e inabaladas pelo tempo. Assim é com “Higher Than The Sun” (que surge aqui num belo remix por The Orb), “Don’t Fight It, Feel It” e o ápice, que chega com o clássico atemporal “Movin’ On Up”, um banho de sol multidimensional de força ainda enorme. “Screamadelica” e o disco seguinte, “Give Out But Don’t Give Up”, de 1994, mostram o Primal Scream assumindo seu caminho próprio em meio ao surgimento do britpop e optando, desta forma, pelos caminhos alternativos. A chegada do impressionante álbum “Vanishing Point”, em 1997, é o coroamento desta escolha: uma obra caleidoscópica, eletrônica e muitos quilômetros à frente do que faziam Oasis e Blur à época. Canções como “Kowalski” comprovam isso. Além dela, representando o período, a fofa “Star” e a invocadíssima “Burning Wheel”.
A partir daí, podemos dizer que temos o Primal Scream que chega aos nossos dias. Todas as cartas já estavam na mesa, cores definidas e parâmetros estabelecidos, com variações mais eletrônicas em momentos como “Swastika Eyes” e “Kill All Hippies” ou mais pesadões como em “Accelerator”, mas todos já com o selo sonoro da banda estampado. Momentos sensacionais vão surgindo ao longo do percurso restante: “Autobahn 66”, com sua influência/homenagem ao Kraftwerk, é um dos inegáveis atrativos aqui. A cover de “Some Velvet Morning” (de Lee Hazlewood), com participação da modelo Kate Moss, é outro momento dourado suspenso no ar e a levada que remete à interseção stoniana/psicodélica do início dos anos 1990, reproduzida em “It’s Alright, It’s Ok” é outra belezura total.
Primal Scream é um manancial de ótimas canções e belas sínteses estéticas que ainda têm força e beleza hoje. É quase um universo à parte do que você está acostumado a ouvir e merece sua atenção. Esta coletânea é um ótimo ponto de partida para, quem sabe, você conhecer sua próxima banda de estimação.
Ouça primeiro: “Movin’On Up”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.