Por que Strange New Worlds é sensacional

 

 

Os fãs de Star Trek vivem um momento peculiar. Há nada menos que cinco séries baseadas no universo criado por Gene Roddenberry, em 1966, sendo produzidas hoje, 2022. Se contarmos a reverente e ótima “The Orville”, que não faz parte desse universo, mas que homenageia abertamente a série clássica de Star Trek, temos seis. E também temos a franquia cinematográfica, tocada por JJ Abrams, que já vai para o quarto filme. Como eu disse, são tempos únicos. O fato é que a gente pode – e deve – desconfiar da qualidade dessas produções, o que nos leva a considerá-las de forma diferente. Vejamos. Temos “Discovery”, que está na quarta temporada e que não conseguiu agradar aos fãs mais tarimbados de Star Trek. Temos “Lower Decks”, que é bacana e inteligente, mas é uma animação, o que a coloca num outro patamar. Isso também é o que a acontece com “Prodigy”, que é voltada para o público infantil. “Star Trek Picard”, que vai para sua terceira – e última – temporada, começou muito bem, mas caiu muito de nível na segunda temporada, ainda detendo crédito. E agora, há pouco mais de duas semanas, estreou a mais sensacional realização do universo trekker em décadas: “Strange New Worlds”.

 

Trata-se de uma série que acompanha a trajetória do capitão Christopher Pike, que comandou a célebre USS Enterprise antes de James Kirk. Pike surgiu pela primeira vez no episódio “The Cage”, na série clássica, que, por sua vez, trazia imagens de um piloto que nunca foi ao ar. Ali a história do capitão era contada e esmiuçada a ponto do personagem ter sido retomado na atual franquia cinematográfica, aparecendo nos dois primeiros longas, “Star Trek” e “Além da Escuridão”. Pike também apareceu na segunda temporada de “Discovery”, interpretado por Anson Mount, tendo sua primeira oficial vivida por Rebecca Ronjim e o Senhor Spock vivido por Ethan Peck. O trio fez tanto sucesso que acabou ganhando sua série própria. Os eventos de Star Trek Strange New Worlds acontecem cerca de dez anos antes de Kirk assumir a ponte da Enterprise.

 

Tal fato dá espaço para que a série traga uma tripulação mesclada com personagens novos e outros já conhecidos do grande público. A Tenente Uhura, por exemplo, é apenas uma cadete em Strange New Worlds, lidando com vários dilemas sobre vocação e origens. Ela é interpretada com precisão por Celia Rose Gooding. Outra personagem que apareceu na série clássica é a enfermeira Christine Chapel, vivida aqui pela ótima Jess Bush, apresentada como uma profissional que pertence a um programa de integração da Federação Dos Planetas e a iniciativa civil. Quem comanda a enfermaria é o Dr Mabenga, mencionado também na série clássica e vivido agora por Babs Olusanmokun. E os personagens mais novos, como a Chefe de Segurança La’an Singh (Christina Chong), engenheiro-chefe Hemmer, a navegadora Tenente Erica Ortegas (Melissa Navia) e outros menos cotados. O fato é que esta tripulação mesclada tem o trunfo de reproduzir muito do que fez Star Trek se tornar uma das séries mais bem sucedidas de todos os tempos: usar de metáforas, sutilezas e inteligência para falar do mundo atual e do ser humano com precisão.

 

Se olharmos os dois primeiros episódios exibidos, teremos a certeza de que estão no caminho certo. O primeiro, chamado “Strange New Worlds”, traz uma história cara a todo fã: o processo de Primeiro Contato com uma civilização alienígena mais atrasada que a humanidade do século 23, obedecendo a regras e com todo o cuidado para não interferir na cultura e na formação desta sociedade, mas levando em conta certos indícios de avanço tecnológico que darão a ela a capacidade de entender este primeiro contato. Na trama, belissimamente rodada e referendada dentro do cânon das séries prévias, tudo funciona e ainda há espaço para mensagens de igualdade, amizade, tolerância e paz, como a série clássica costumava fazer em pleno final dos anos 1960. O segundo episódio, “Os Filhos do Cometa”, é soberbo e evoca todos os episódios clássicos de mistério e descoberta de paradoxos alienígenas. Ele mostra a Enterprise cumprindo uma missão de desviar um cometa em rota de colisão com um planeta habitado por uma civilização ainda nos estágios iniciais de desenvolvimento. A exploração do cometa e as tentativas de desvio fracassam, até que Pike e sua turma se veem às voltas com alienígenas de uma raça antiga, que acredita no imponderável como meio de resolução dos problemas do universo. É um episódio em que Uhura brilha como tradutora, ainda abordando todas as suas dúvidas pessoais sobre futuro e passado. É tão belo e sutil que seria inimaginável numa série adrenalizada, como a própria Discovery se apresentou.

 

Strange New Worlds ainda está no início, mas seus dois primeiros episódios têm conteúdo e realizações para figurar entre os melhores em muito tempo de franquia. Me pergunto mesmo se os primeiros episódios de “Next Generation”, “Deep Space Nine” ou “Voyager”, as séries trekkers dos anos 1990, e “Enterprise”, dos anos 2000, foram tão bons. Com elenco afiado, histórias bem pensadas e efeitos espacias que atualizam sem adulterar as formas clássicas, esta promete ser a série que vai fazer a ponte entre velhos e novos fãs de Star Trek. Imperdível.

 

Star Trek Strange New Worlds e todas as outras séries de Star Trek estão disponíveis no Canal Paramount +

 

Star Trek Picard  também está disponível no Amazon Prime

 

Star Trek Next Generation, Star Trek Deep Space Nine e Star Trek Voyager também estão disponíveis na Netflix

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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